Você descobriu uma nova gravidez e as perguntas não param: será que é mais um menino? Ou mais uma menina? Era planejado? Não era esperado? Para completar, as perguntas que você mesma já está pensando: o que você vai sentir dessa vez? Questões sobre as mudanças do corpo, sobre o parto, sobre seguir com a amamentação, sobre as sensações da gravidez e até se sua barriga ficará menor, igual ou maior que na primeira gestação. Sim, são todas perguntas legítimas e não se espera que você não pense em todas elas. As respostas são muitas, variadas e às vezes incertas. Mesmo assim, vale a pena começar a pensar sobre o que você pode esperar da sua segunda gravidez.
Vanessa Muniz de Azevedo (RJ), 33, é mãe de Brisa, cinco, e está grávida de 21 semanas. No caso dela, as duas gestações foram completamente distintas. Se a primeira gravidez ela descobriu com 20 semanas por meio de um teste de farmácia, a segunda ela descobriu muito cedo, com seis semanas. A principal diferença entre as duas descobertas? A primeira não foi planejada; a segunda, sim. Além disso, na primeira gestação ela não teve nenhum sintoma típico da gestação até o sétimo mês: a partir daí teve azia, falta de ar, dores na coluna, na bacia e nas virilhas. O contrário marca sua segunda gravidez, já que ela passou muito mal durante o primeiro trimestre (1ª a 13ª semana): enjoo, azia, tontura, indisposição.
Quando começou o segundo trimestre, as sensações passaram, mas já retornaram e, com 21 semanas, ela sente enjoo, azia, dores na coluna, ciático, inflamação no romboide e enxaqueca. Nas palavras dela: “Nessa segunda gestação tudo é muito mais perceptível e precoce. Os movimentos do bebê na primeira gestação começaram após 25 semanas. Na segunda, com nove semanas eu já sentia sutilmente. A pressão na pélvis também começou muito mais cedo na segunda.”. Isso tudo sem falar sobre parto. No caso de Vanessa, o primeiro parto foi marcado por violência obstétrica e intervenções desnecessárias que deixaram marcas profundas e muito trauma.
“Meu primeiro parto foi anormal. Em uma ‘maternidade’ em que me violentaram em todos os níveis obstétricos. Minha filha nasceu com vários problemas, eu fiquei 11 dias internada com ela e foi bastante traumático. Falta de respeito da equipe, maus tratos, ocitocina sintética, toques dolorosos, abandono, amarras, esforço fora do expulsivo, episiotomia sem autorização/explicação, manobra de Kristeller sem autorização resultando uma costela minha fraturada e um desmaio, clavícula da minha filha fraturada, septicemia por aspiração ao mecônio devido a todo meu medo e trauma, antibióticos fortíssimos e minha filha durante 11 dias e sem poder ficar com acompanhante. Um filme de terror que trouxe ao mundo meu milagre. Para meu segundo parto, eu me empoderei completamente e quero um parto humanizado, respeitoso e natural”, desabafa Vanessa.
A primeira gravidez de Raquel Barbosa Seixas Pinto (RJ), mãe de João, oito, e de Francisco, três meses, foi planejada. O caminho é conhecido: parou com a pílula, foi o obstetra, ingeriu ácido fólico por recomendação médica e algumas relações depois, estava grávida. A gestação foi muito tranquila: Raquel, jornalista, trabalhava nos Jogos Panamericanos e foi muito bem tratada por toda equipe e colegas. Os sintomas também foram poucos, já que ela teve azia por volta dos oito meses (terceiro trimestre, 27ª a 40ª semana) e inchaço nos pés dias antes de João nascer. A bolsa estourou às 3h30 da manhã e às 7h30 Raquel já estava com seu filho nos braços. Ela passou por um parto normal com analgesia a pedido dela.
Em meados de 2015, Raquel teve enxaqueca constante e, curiosa, pesquisou na internet e descobriu que justamente o anticoncepcional que ela usava era associado a muitas mortes por trombose nos Estados Unidos. Sob orientação médica, ela parou de tomar anticoncepcional. Depois de um certo descuido, descobriu a gravidez de Francisco, muito bem-vindo. Como ela diz, de surpresa e de supetão, mas muito bem-vindo. A princípio foi um choque, já que o esposo de Raquel estava desempregado e a remuneração dela mal cobria metade das despesas deles.
A gestação de Francisco foi diferente. Oito anos mais velha e agora com hipotireoidismo hashimoto, Raquel sentia cansaço constante durante o primeiro trimestre, com episódios de falta de ar, falta de fome e desmaios, além da oleosidade e queda do cabelo. Além disso, Raquel sentia Francisco mexer mais forte e mais vezes que o João, o que fez com que ela tivesse muita azia no fim da gestação, a ponto de regurgitar as refeições. Psicologicamente, Raquel se sentiu muito instável pelo fato de estar sem plano de saúde e ela tinha medo de enfrentar uma maternidade pública. Ela teve João em uma maternidade famosa do Rio de Janeiro e na época, com um bom convênio particular, ela não recebeu informações do parto e não pode ficar com João o quanto gostaria; o teto do banheiro da suíte que ela ocupou (que era o melhor quarto da instituição) desabou sobre ela.
No segundo parto, sem convênio e com medo de ter seu filho por meio da rede pública, depois de muita pesquisa ela conheceu a escola-maternidade da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), local onde teve seu segundo filho, suporte, acolhimento, apoio e desprendimento: seu parto foi visto por médicos, estudantes e até faxineiros da sala de parto. Teve seu marido como acompanhante o tempo todo e Francisco mamou na primeira hora de vida, foi para o colo logo após o parto, completamente diferente de João, que foi afastado da mãe. Ela ganhou até um enxoval básico para seu filho. Para ela, a hotelaria de uma maternidade particular não compensa o carinho e o acolhimento que ela recebeu na maternidade pública.
Em relação ao corpo, Raquel sentiu diferença entre o peso de uma e de outra gestação e a rapidez com que perdeu no pós-parto. Se na primeira ela ganhou 10kg e perdeu 15kg (João foi amamentado por dois anos e meio com os primeiros seis meses de aleitamento exclusivo), na segunda ela engordou 11kg e perdeu esses mesmos 11kg. Extremamente magra, percebeu no segundo pós-parto que sua barriga não voltou a ser como era no primeiro pós-parto.
Sentiu a diferença? A primeira gravidez acontece com a marca da novidade, ainda que planejada. A gestante ainda vai aprender a identificar sensações boas e ruins, movimentos do filho, contrações. Cada gestação é uma gestação. Na segunda, essa mãe que será mãe de dois experimenta as sensações com a sabedoria de quem já passou por isso e pode ainda viver novas experiências. Levando-se em conta, ainda, as marcas do corpo, afinal, o corpo da mulher sofre uma espécie de abalo sísmico ao longo da gestação e no parto e, apesar de voltar ao normal em média em 60 dias, nunca mais será o mesmo.
É importante considerar a segunda gestação como um evento isolado da primeira. Por isso, mães, é preciso conduzir o pré-natal do mesmo modo, com qualidade e acompanhamento profissional. De acordo com o ginecologista-obstetra Domingos Mantelli, os exames a serem feitos são os mesmos – e também os cuidados. “Da mesma forma que na primeira era importante o controle do peso, na segunda continua importante pelos mesmos riscos, obesidade, diabetes gestacional e uma série de consequências pelo ganho de peso excessivo”, explica.
De acordo com evidências científicas, o corpo da primeira e da segunda gestação não é o mesmo, há diferenças influenciadas pela experiência desse corpo, isto é, a musculatura já não é mais a mesma, pois já distendeu e voltou ao normal, assim como a pele. Se no primeiro parto a mulher passou por um parto normal (sem episiotomia), a recuperação do períneo acontece rapidamente. Aliás, em 60 dias do pós-parto o corpo da mulher já está reintegrado – o corpo da mulher leva em média 280 dias (ou 40 semanas) para gerar uma vida e 60 para se recuperar, graças a todos os hormônios que regem o puerpério (mais um motivo para você acolher uma mulher no puerpério, não afastá-la).
Segundo o obstetra, algumas recomendações precisam ser levadas em conta. É recomendado que a mulher espere em média um ano entre um ano para engravidar novamente se tiver passado por um parto normal. Se tiver passado por uma cesárea, o intervalo aconselhado é de dois anos. Se você teve uma cesárea e quer ter um parto normal, saiba mais sobre o VBAC, o vaginal birth after cesarean. Se você passou por um parto normal industrializado e quer viver a experiência de um parto normal humanizado, comece se informando sobre as etapas do parto.
Assim como Vanessa e Raquel, muitas mulheres podem sentir seus filhos mais cedo na segunda gestação. Outras situações recorrentes incluem sentir novos sintomas, antes não vividos, e sentir com mais intensidade as contrações de Braxton-Hicks, que são as contrações de treino, indolores, curtas e apenas sinalizadoras do funcionamento do corpo. Aliás, pode acontecer de a mulher não sentir absolutamente nada. É o que reitera Domingos: “a mulher pode não ter sentido náusea, tontura, absolutamente nada; e numa segunda gravidez pode ter e vice-versa. Se em uma gestação ela teve uma diabetes gestacional, na segunda talvez não tenha. Como cada gestação é diferente da outra, não dá para comparar”. Até o parto entra no jogo. Isso porque a média de duração de um parto normal de uma primigesta (primeira gestação) dura em média de 12 a 14 horas. Em uma segunda gestação, ele pode durar em média de 10 a 12 – exceto todos os comuns partos improváveis, por exemplo, partos que duraram duas, quatro ou sete horas; ou partos que se estenderam com bolsa-rota por dias. O acompanhamento com uma equipe profissional e atualizada sobre a assistência ao parto é ideal para que a mulher viva a experiência. Quem conduz o parto é a parturiente e o bebê, não a equipe, não o obstetra.
A amamentação, enfim, é tema importante na segunda gestação. É possível amamentar grávida e em tandem (dois filhos ao mesmo tempo). Segundo o pediatra Carlos González, no Manual Prático de Aleitamento Materno (páginas 122 e 123, edição da Editora Timo): “Não foi descrita nenhuma complicação da gravidez provocada pela amamentação. Mesmo que em teoria a sucção possa provocar contrações, não foi publicado nenhum caso de aborto ou parto prematuro provocado pela amamentação. Já que a ocitocina, que em teoria causaria tais contrações, é liberada no começo da mamada e apenas permanece no sangue por alguns minutos, só seria razoável recomendar a uma grávida que se abstenha de dar o peito quando ela tenha uma ameaça de aborto ou de parto prematuro, e quando, além disso, observe fortes contrações enquanto a criança mama ou imediatamente depois. Também não tem fundamento o mito de que o gasto de nutrientes na amamentação prejudicará o feto ou vice-versa, ou de que ambos os gastos prejudicarão a mãe. Em mães economicamente desfavorecidas, Merchant e cols. comprovaram que a amamentação durante a gravidez afetava as reservas de gordura da mãe, mas não o peso do recém-nascido. No nosso meio, com uma alimentação adequada, não haveria nenhum problema”.
Ana Basaglia (SP), consultora em amamentação, propõe uma reflexão ampla: “se for uma gravidez saudável, como a grande maioria das gestações costuma ser, onde não há nenhuma outra restrição médica (evitar sexo, por exemplo), sim, a mulher pode manter a amamentação sem prejuízo para ela ou ao novo bebê, respeitados os limites pessoais de cada mulher. O que costuma acontecer é o preconceito das pessoas, inclusive da equipe de saúde. Se tem médico dizendo que não precisa mais amamentar depois de alguns meses, como não querer ouvir que não pode amamentar grávida?”.
O que é possível de se montar de um roteiro está feito, basicamente: pré-natal com profissional adequado, amamentação livre, caso você ainda amamente e queira manter, busca por uma equipe que respeite suas vontades e paciência para todas as perguntas que você vai ouvir. E, tenha certeza, a primeira será: será que você vai ter um casal? Para essas e outras, a recomendação principal é a famosa cara de alface.
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