Janaina e Patrícia não se conhecem, mas têm muito em comum. As duas são mães, passaram por uma cesárea em seus primeiros partos, ambas consideraram a experiência desnecesárea, passaram por uma nova gestação e conseguiram, com mais suor e menos dor do que registram os ditos populares, viver a experiência de um parto normal após cesárea (em português, PNAC; em inglês, como é mais conhecido no mundo virtual das mães, VBAC, vaginal birth after cesarean). À primeira vista, pode não parecer importante. Mas é. Não só porque elas superaram antigas feridas muito particulares sobre conseguir ou não parir pela vagina. Ambas superaram o mito do “uma vez cesárea, sempre cesárea” e descontruíram todo o sistema de obstetrícia que desestimula e desencoraja mães a terem seus partos como elas desejam, principalmente quando se trata de um parto normal sem intervenções de rotina (nesse sentido, a cesárea fica de fora pelo fato de ser, no Brasil, um instrumento para a industrialização do parto, e por isso classificada como cesárea eletiva nesses casos; no mais, ela salva vidas).
Mas o que é o VBAC, afinal? O que ele significa para as mulheres que passaram por uma cesárea quando desejavam ardentemente um parto normal? A idealização do parto costumeiramente difere da realização dele, e, deve-se registrar aqui, em muitas escalas. Se há partos em que a idealização inclui parir na banheira e a realização terminou em cócoras, há partos que são idealizados como naturais e terminam em cesárea – e as questões são mais amplas, profundas e podem deixar outras marcas. De acordo com Alberto Guimarães, obstetra referência na humanização do parto, a humanização para a parturiente que teve uma cesárea anterior é importante: “Principalmente quando se discute as indicações da primeira cesárea, para que essa mulher consiga resgatar a confiança e a segurança e para saber o motivo da primeira gestação, se isso persiste ou se é uma situação nova, e de fato uma outra possibilidade de ela gestar e de parir”.
Patrícia Teixeira (GO), 35, mãe de Ana Luisa, quatro anos, e Isabela, sete meses, sempre quis ter parto normal. Na primeira gestação, falou logo no início ao médico e ouvia que PN [parto normal] era complicado, era uma maratona. Ela precisaria estar preparada. Então, Patrícia fez pilates, hidroginástica, fisioterapia para parto normal – e em toda consulta insistia no que queria. Até chegar às 31 semanas da gestação, com a bebê na posição cefálica (de cabeça para baixo), quando insistiu com seu obstetra sobre o parto normal e ele finalmente disse que só faria cesárea. “Sai desesperada do consultório chorando e já fui em busca de outro médico. Achei um que era referência em parto humanizado. Fiz uma consulta e com 35 semanas minha bolsa rompeu e fui para o hospital com 1 cm de dilatação. O médico disse que ia demorar, que ia embora, que quando as contrações estivessem de 5 em 5 min era para eu ligar. Só que eu não sinto dor. Quando a dor apertou eu já estava com dilatação total, liguei para ele, mas antes dele chegar senti que a bebê ia nascer, senti ela descendo. Me deu um desespero porque ela era prematura e não tinha ninguém no hospital (pediatra, obstetra)”.
Com medo, Patrícia travou, como ela mesmo define. Caiu no chão e pensou que sua filha não conseguiria nascer. Já no centro cirúrgico, Patrícia ficou mais 5 horas tentando, fazendo força. “Mas entrei em exaustão, não conseguia mais e pedi a cesárea. Foi muito difícil, doeu demais chegar quase lá. Isso aumentou ainda mais minha vontade de parir. Fui atrás de conhecimento para entender o que tinha acontecido. Cheguei à conclusão que foi meu psicológico que atrapalhou. Preparei meu corpo, mas não preparei minha mente, não permiti que minha filha nascesse. Na segunda gravidez já tinha meu GO, o mesmo do primeiro parto, tinha um pediatra maravilhoso também, contratei uma doula que fez muita diferença. A equipe estava ok! Menos um estresse. E comecei a preparar meu psicológico, me imaginava parindo em qualquer lugar, imaginava que eu ia deixar minha filha nascer e me visualizava principalmente tendo minha filha no banheiro da minha casa, de madrugada, sozinha”. Com 39 semanas, as contrações chegaram.
Quando ligou para o médico, a bolsa estourou e a dor aumentou. Ele pediu que ela fosse ao hospital, mas ela foi, com muita dor, para o banheiro, ligou o chuveiro e ficou lá (a água quente é um excelente calmante para das dores das contrações). Ela conta: “Meu marido ligou para o obstetra, para o pediatra e eles foram para minha casa. O obstetra me examinou e eu estava com dilatação total, pediu toalhas, ia fazer o parto no banheiro mesmo. Só que meu marido chamou uma ambulância, eles chegaram e não esperaram a bebê nascer, quiseram me levar para o hospital. Foi uma loucura, eu mal conseguia me mexer, com muito custo me colocaram na cadeira de rodas e me levaram para a ambulância. Cheguei no hospital às 20h, Isabela nasceu às 20h15. No total, foi 1 hora e 15 minutos de trabalho de parto. E ela tinha que nascer rápido, porque os batimentos estavam caindo e já tinha feito mecônio. Nasceu, veio direto para os meus braços, nem chorou, ficou me olhando, logo mamou e ficou grudada no peito por 24 horas. Não tomou banho, só no dia seguinte. Foi maravilhoso, transformador e curou a ferida que tanto sangrou do primeiro parto. Ter uma equipe que te apoia é imprescindível. É importante acreditar que podemos parir e que bebês sabem nascer”.
A história de Janaina Iacomo (SP), 38, tem um intervalo de 10 anos. Ela teve o primeiro filho aos 28 anos em uma cesárea nunca desejada. Ao olhar os dez anos passados, Janaína sabe que o casamento ruim e o momento que vivia, muito frágil, contribuíram para que ela terminasse em uma cesárea. Seu primeiro filho nasceu com o pescoço meio torto, como se estivesse impossibilitado de se mexer no útero. Apesar de o neonatologista da maternidade ter explicado que essa condição era passageira, para Janaína era mais uma justificativa para a cirurgia: o bebê não conseguira se encaixar e por isso ela não entrara em trabalho de parto.
Oito anos depois, um novo casamento e outra gestação, Janaína se preparou. “Já mais forte e inteira, procurei uma médica que fosse do time dos partos naturais. Tive uma doula. Li livros sobre partos. Fiz Epi-No [aparelho que faz exercícios na região do períneo, a fim de que a mulher esteja com o músculo mais preparado e não tenha laceração]. Me preparei corpo e alma. Eu e meu supercompanheiro. E o parto foi de cócoras, ali no chão do quarto do hospital, sem anestesia, com 10 horas lindas de trabalho de parto e uma mínima laceração (que eu só soube porque a médica falou, não senti nada!). Um bebê de 4,5 kg”.
Janaína tinha medo do tamanho do bebê por ser alta e estar casada com um homem alto. Mas sua médica estava preparada: ela teria um bebê grande em um VBAC hospitalar. Ao completar 39 semanas, Janaína não sentia nenhuma contração. Até completar as 41, ela fez acupuntura, que ajuda para engatar o trabalho de parto, e descolamento de membrana, que também ajuda. Nenhum resultado. Por isso, a contragosto, marcou uma indução no dia que em completaria 41 semanas com o objetivo de evitar uma cesárea no último minuto do segundo tempo. “Mas na madrugada desse dia agendado, cheguei dançando com as contrações lá no hospital, para o espanto da enfermeira de plantão: 'ué, você não é a que está marcada para hoje, às 11h?!' Eu mesminha! Foi tudo muito bonito, muito tranquilo. Muito forte. Acho que cada mulher sente e vive a maternidade ao seu modo, de acordo com suas concepções e expectativas. Para mim, ser mãe foi uma das realizações mais intensas. Mas parir naturalmente foi algo novo, à parte. Uma conexão com o feminino e com o todas as mães que já existiram antes de mim. Era mãe de segunda viagem, mas recém-parida pela primeira vez! Não tive problema físico algum em relação ao VBAC. Sentia muita segurança na médica, sempre atenta a esta questão. Mas o fato principal acho que foi minha preparação”, conta Janaína.
Mulheres sabem parir e bebês sabem nascer
A maternidade realmente é vivida de acordo com as concepções e as expectativas de cada mulher. E tudo que essas mulheres já viveram também influencia. No caso de Patrícia e Janaína, o contexto pelo momento em que passavam e um sistema que produz nascimentos em série com a premissa da cesárea resultou em experiências que elas não queriam ter vivido, mas que se transformaram com a experiência do parto normal. Afinal, mulheres sabem parir e bebês sabem nascer. Mas não sem estrutura adequada e uma rede de apoio que dê a essa mulher confiança e segurança para seguir em frente. Não é todo dia que você coloca seu filho no mundo.
Realizar um VBAC, um parto vaginal após uma cesárea, requer estar informada sobre os procedimentos que envolvem as duas vias de parto, as etapas de cada um, e quebrar alguns mitos que envolvem esse conceito. Uma equipe formada por profissionais minimamente humanizados e informados é essencial para conseguir parir (uma, duas, três vezes) com a segurança de que todos os procedimentos que foram feitos (ou não) eram realmente necessários naquele contexto. Para você compreender melhor sobre os mitos e os riscos de um VBAC, o taofem elaborou uma lista com dicas e informações reunidas do site vbacfacts.com e reiteradas pelo obstetra humanizado Alberto Guimarães.
- Existe um mito de que a mulher que fez cesárea uma vez só pode fazer cesárea.
O National Institutes of Health (NIH) diz que o VBAC é uma escolha razoável e segura para a maioria das mulheres com cesariana anterior. De acordo com o Colégio Americano de Obstetras e Ginecologistas (ACOG), algumas mulheres com duas cesáreas anteriores são candidatas a VBAC. De acordo com Alberto, para quem teve uma cesárea no primeiro parto, realmente se orienta a não ter um parto normal em um período de dois anos, mas o mesmo se aconselha para quem não passou por uma cesárea no primeiro parto. - O VBAC aumenta as chances de ruptura uterina.
Segundo Alberto, a chance de ruptura uterina para a mulher que teve uma cesárea antes do parto normal é muito próxima daquela mulher que não fez a cirurgia no primeiro parto. E aumenta em números insignificantes em termos de aumento populacional. As mães de primeira viagem correm o mesmo risco que aquelas que têm uma cesárea anterior, assim como para descolamento prematuro da placenta, prolapso de cordão e distocia de ombro. - Parto VBAC não pode ser induzido.
Segundo Alberto, para a mulher que teve uma cesárea anteriormente não é indicado um parto normal induzido com prostaglandina, com comprimido e ocitocina. Entretanto, há maneiras de preparar o colo do útero para a parturiente entrar em trabalho de parto. Quando a mãe ou o bebê desenvolvem uma complicação que requer que o bebê nasça, a indução pode fazer a diferença entre um parto vaginal após cesárea e uma cesariana de repetição. É por isso que ACOG afirma que é clinicamente indicado ocitocina e/ou indução com cateter Foley durante um parto vaginal após cesárea. - Parto VBAC pode ser feito com analgesia.
Segundo o ACOG, as analgesias podem ser utilizadas em um VBAC e as evidências sugerem que peridurais não mascaram a dor relacionada com a ruptura uterina. No entanto, apenas 26% das mulheres que passam por uma ruptura efetivamente sente dor abdominal, então este é um sintoma inconsistente e pouco confiável. Alberto Guimarães explica que uma mulher que teve uma cesárea anterior pode ser submetida à analgesia. Não é uma contraindicação. Mas há critérios, pois uma analgesia feita precocemente pode atrapalhar, assim como a dosagem. - Como combater as cesáreas de repetição.
Hospitais com maternidade têm estrutura para atender às emergências obstétricas. As diretrizes utilizadas para gerir as complicações de mães primíparas, ou seja, que terão seu primeiro parto, e mães que passam por cesarianas são também usadas para tratar complicações de mães que terão VBACs. O Ministério da Saúde recomenda. Páginas 117 e 118 - 5. Cesárea anterior: “A presença de antecedentes de uma cesárea anterior não contraindica a ocorrência de trabalho de parto na gestação subsequente. O incentivo à realização de prova de trabalho de parto nestas mulheres é uma das medidas mais importantes para a redução das taxas de cesárea no Brasil. O risco de complicações maternas (rotura uterina, deiscência de cicatriz, etc.), assim como de complicações fetais (sofrimento) é muito baixo, desde que haja adequada vigilância do trabalho de parto e da vitalidade fetal. Não existem limites de intervalo interpartal que contraindiquem o trabalho de parto em gestante com cesárea anterior, desde que a incisão da primeira cesárea tenha sido segmentar. O índice de sucesso para parto vaginal nas mulheres submetidas a uma prova de trabalho de parto é de, no mínimo, 50%; alguns trabalhos mostram cifras de até 70 a 80%”. - Não há diferença de pré-natal por causa da via de parto, nem por causa de um VBAC.
O pré-natal é importante para que a mulher faça todos os exames necessários, seja orientada, para que ela evite todas as alterações possíveis na gestação, para que ela seja prevenida sobre essas alterações. Sobretudo, para devolver à mulher a questão da confiança na gestação e no parto, para falar para essa mulher sobre a fisiologia do parto, para ela saber identificar se está tudo bem, se ela precisa de ajuda. E tem a questão da evolução da ideia do parto. Segundo Alberto, se esse parto não se encaminhar para um parto normal, o parto cirúrgico não precisa ser um “arrancamento" de bebê, é possível usar os mesmos critérios da humanização. Esse bebê pode chegar realmente de uma maneira suave e tranquila, ir direto para o colo da mãe, ser amamentado durante a primeira hora, ser recebido em uma temperatura adequada, esclarecer o motivo porque não evoluiu para um parto normal. - A parturiente entrou em trabalho de parto com bebê prematuro pode ter um VBAC.
O trabalho de parto prematuro após uma cesárea pode evoluir, mas é preciso levar em consideração que prematuridade é essa, o que a desencadeou, de quantas semanas a mulher está. É uma avaliação para cada caso. Por exemplo, a mulher entrou em trabalho de parto e está com 37 semanas, o útero está contraindo, o colo está dilatando, é uma possibilidade de parto. Para um prematuro de 28/29 semanas, em uma posição transversa, por exemplo, é preciso pensar individualmente. - A parturiente se preparou para ter um VBAC e pode passar por uma cesárea novamente.
Para evitar uma nova cesárea, é preciso repensar os motivos da primeira. Qual foi a indicação da primeira cesárea? Foi porque ela desenvolveu uma diabetes gestacional a ponto de causar uma desproporção céfalopélvica, houve alteração de pressão, ou uma indução fora do tempo. É preciso levar em conta o histórico. As indicações para você ter uma cesárea novamente são as mesmas que você receberia se tivesse tipo um parto normal, ou seja, placenta prévia, desproporção céfalopélvica (a melhor maneira de ser identificada é durante o trabalho de parto; não vale a pena marcar uma cesárea com esse diagnóstico), ruptura uterina diagnosticada, entre outras coisas. A cesárea anterior não é motivo para que desde o começo do pré-natal você já saiba que será operada.
Quer saber mais sobre maternidade?
Prepare-se para as fases do trabalho de parto
10 dicas para você se preparar para a amamentação
Parto real: relatos para refletir sobre o seu
Mude de assunto (mas fique com a gente):
É assim que um clitóris se parece! Como um modelo 3D pode revolucionar o que sabemos sobre sexo
Frases que vão aumentar sua autoestima
Como encarar uma separação de forma positiva