Autor dos livros Besáme Mucho e Manual Prático do Aleitamento Materno (ambos Editora Timo) e também do Meu Filho Não Come, com lançamento previsto para novembro deste ano, além de muitos outros sobre educação, alimentação e saúde, Carlos Gonzáles, 56, é um “pediatra a favor das crianças”. Defensor da ideia de que os pais não devem ter medo de dizer aos filhos o quanto os amam, é especialista em amamentação pela Universidade de Londres, doutor em Pediatria, fundador da Associação Catalã Pró Aleitamento Materno, membro do Conselho de Assessores de Saúde da La Leche League International e assessor da Iniciativa Hospital Amigo da Criança (UNICEF). E o principal: pai do Daniel, da Sara e da Marina, já crescidos.
Como você se interessou pela área do estudo da família e pela revisão de conceitos que estão enraizados na nossa sociedade?
Minha esposa e meus filhos me ensinaram o caminho. Bom, antes disso, meus pais já haviam me ensinado alguma coisa. Não sei bem. Fui filho, vi o que faziam meus pais. Fui pai, vi o que faziam meus filhos.
Até que ponto a manha não é somente um reflexo do adulto egoísta que não consegue lidar com a necessidade constante de zelo do bebê?
O bebê supostamente faz manha e chora para manipular os adultos. No entanto, os bebês são completamente incapazes de manipular nesse sentido, porque não tem a “teoria da mente” formada, a capacidade de atribuir pensamentos e desejos a outras pessoas, e de compreender que os pensamentos e os desejos dos demais podem ser distintos dos seus próprios. A teoria da mente é imprescindível para pensarmos coisas como “Eu vou fazê-lo acreditar que... E então conseguirei que ele faça...”. Apenas por volta dos quatro ou cinco anos que as crianças começam a pensar dessa maneira. Um bebê não é capaz de chorar ou sorrir com o propósito de conseguir algo, não é capaz de fingir. Simplesmente, chora quando está triste, sorri quando está alegre (e podem se passar apenas segundos entre um estado e outro).
Por que a superproteção não é negativa para crianças? De um lado, o excesso de zelo é confundido com o excesso do prover. Os pais querem prover aos seus uma infinidade de brinquedos, tecnologia e atividades extracurriculares. Mas quando se trata do amor demonstrado descabidamente, o que se cria é, é o que se diz, pais superprotetores e crianças mimadas.
O que é a superproteção? Não deixo meu filho brincar com fogo ou com facas, guardo em um lugar seguro os produtos tóxicos e os medicamentos, sempre coloco o cinto de segurança quando saímos de carro, o ensino a escovar os dentes... Passo o dia protegendo o meu filho! É mal protegê-lo tanto? Devo deixar que coma doces todos os dias ou que assista televisão até de madrugada ou que atravesse a rua com o semáforo vermelho? Na prática, a palavra superproteção é usada como um insulto para se referir aos pais que cuidam de seus filhos de modo diferente do seu.
A mãe que sai para trabalhar fora está errada, a que fica em casa está errada, a que amamenta está errada, a que não amamenta também. Como você acha que é possível mudar a percepção da “mãe perfeita”, que precisa atender a todas as “necessidades” da criança de acordo com os costumes do grupo em que ela vive?
Pergunta difícil. A sociedade de hoje (ao contrário da dos séculos passados) é variada. Há pessoas e grupos de pessoas com ideias completamente diferentes sobre arte, filosofia, ética, religião, cozinha... Ou pais diferentes. Faça o que fizer, você pode encontrar pessoas que concordam com você e as que são totalmente contra. Aqueles que buscam o seu próprio caminho e se recusam a aceitar normas e convenções têm agora mais liberdade do que no passado. Mas aqueles que procuram a aprovação dos outros têm um problema sério: em uma sociedade diversificada, é impossível agradar a todos. E aqueles que querem impor seus próprios critérios aos outros também têm um problema: os outros nem sempre obedecerão.
Como mudar a percepção do pai que faz a sua parte, do ponto de vista da maternidade "nascer" com a mulher, mas a "paternidade" ser uma opção?
Os pais têm essa percepção? Não sei. Eu acho que não todos. Eu sempre soube que a coisa mais importante que eu poderia fazer na vida era ter filhos. Sim, talvez tenha havido alguns momentos em que certos setores da sociedade tenham tentado nos convencer de que o dinheiro, o poder, a profissão ou a diversão eram mais importantes. Mas eu acho que a maioria dos homens, assim como a maioria das mulheres, não tem sido enganados.
Por que hoje o aleitamento materno é visto com tanta negatividade? É um processo tão benéfico fisiológica e psicologicamente para mãe e filho, mas se torna um tabu do ponto de vista da alimentação e da sexualidade feminina.
Pelo que você diz, a amamentação é hoje geralmente muito positiva. É muito difícil encontrar alguém que seja contra a amamentação. O que há, sim, é muita gente com pouca informação, as pessoas que não sabem como conduzir a amamentação.
Quais devem ser as reais preocupações dos pais ao alimentarem seus filhos, tanto no período da amamentação quanto no da introdução alimentar?
Os pais deveriam ter um cuidado especial para não forçar a alimentação do seu filho. Nem com atitudes boas nem com más. Não com gritos, ameaças e punições, prêmios, distrações, delírios e estímulos.
Por que a sociedade atual acredita tanto na independência da criança, que precisa dormir sozinha, comer sozinha e ir ao banheiro sozinha? E, em vez disso, lida com a autonomia deles como se fosse um traço precoce?
Mistérios. Como eu disse, a sociedade de hoje é muito diversificada. Alguns acreditam que o bebê tem que dormir sozinho e outros que tem de dormir com os pais. Alguns deixam ele comer sozinho e os outros vão colocar a colher na sua boca. Muitos dizem que querem a criança independente, mas realmente tentam controlar cada aspecto de sua vida (nunca antes ter filhos foi um ato tão controlada por adultos: educação precoce, estimulação precoce, as atividades escolares, treinadores esportivos, psicólogos infantis...).
A cultura atual acredita que muito colo deixa a criança mal-acostumada.Como mudar esse ponto de vista?
Eu acho que a maioria dos pais estão dispostos a tomar nos braços seus filhos, confortá-los quando eles choram, dar-lhes amor. Apenas alguns não se atrevem a fazê-lo, porque eles foram informados de que a criança terá problemas sérios. Basta dizer que isso não é verdade, que eles têm o direito de mostrar aos filhos o quanto você os ama, que não trará nenhum dano aos filhos, ao contrário, os fará felizes.
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