A experiência do parto pode ser muito diferente do que a parturiente idealizou como parto. Primeiro, por estar inserido em um contexto social e, como tal, sua idealização varia (e muito!) de mulher para mulher. Se há, de um lado, a mulher que deposita na equipe médica a responsabilidade pela vida, há aquela que considera a equipe médica como apoio enquanto ela protagoniza a experiência do nascimento. A interferência da rede de apoio e da equipe médica sobre o parto é determinante para compreender como aquela mulher o experimentou e viveu, como ela vai lidar com o bebê nos primeiros dias de vida e como ela vai lidar com o puerpério.
Evento natural, o parto carrega consigo uma série de significados culturais e sociais que podem entrar em conflito com um ideal de nascimento, com uma ideia de instinto natural. Se, a princípio, o parto era um evento fisiológico extremamente particular e de responsabilidade daquela que paria, rapidamente se tornou uma ideia de coletividade quando as mesmas mulheres, há milhares de anos, passaram a ajudar umas às outras durante o processo, e àquela que acumulava mais conhecimento e experiência sobre o assunto colocava-se a alcunha de “parteira”. Foi a tecnologia da medicina na área de cirurgia do século 17 que transformou a ideia de parto, ao inserir a figura de um homem dotado de conhecimentos de cirurgia (sacerdote religioso, barbeiro-cirurgião ou médico) para resolver os problemas intraparto. Nesse período, a presença médica era vista como algo a ser temido.
A construção do conceito de um hospital ser um local mais seguro para o nascimento do que a casa da parturiente levou anos para se concretizar. Com essa ideia, se desenvolveu também a noção de que o hospital era a referência para saúde, para a limpeza e para a assistência correta, feita majoritariamente por homens, tendo em vista, aqui, que a maior parte das políticas públicas educacionais e de transmissão de conhecimento proibia a presença e formação de mulheres. Dessa maneira, de forma lenta e gradual, o parto se tornou um evento médico, público e “feito” por homens. O estudo das intercorrências do trabalho de parto permitiu o desenvolvimento de uma série de instrumentos criados para facilitar e ajudar a parturiente, quando necessário, já que o parto, em um primeiro momento, era realizado pela mulher e por uma parteira, sob a vigilância da figura médica, até evoluir para um evento realizado por homens. A evolução para o que se conhece hoje por parto é separada por muitos estudos científicos, mudanças culturais e sociais de compreender o tempo, leis trabalhistas, a imposição cultural sobre a mulher como executiva-mãe-doméstica, o ensino desatualizado de obstetrícia em muitas universidades e a descoberta, ao mesmo tempo antiga e tardia, de que não há explicação científica que desvende como e quando o parto começa – ele só começa.
Só existem partos reais
Quando uma mulher idealiza o nascimento do seu filho, ela não inclui no pacote da imaginação ser maltratada, isolada, abandonada ou tornada incapaz pela equipe que a acompanha. Seja com a instrumentalização do parto normal e as intervenções de rotina (que são desnecessárias e precisam ser problematizadas), seja pela adoção da cesárea como via de parto mais comum (é preferível que a mulher tenha um parto normal e não passe por uma "desnecesárea"); a marca da violência obstétrica no sistema de parir ou a busca pelo protagonismo da mulher, a idealização de um parto e o modo como ele de fato acontece costumam ser diferentes. Por razões óbvias, uma mulher não inclui em seu ideal de parto ser amarrada ou passar por uma cirurgia cesariana sem a anestesia estar com efeito sobre seu corpo. Foi o que aconteceu, no entanto, com Estella Simielli (SP), 31, mãe de Pedro, de seis meses. O início da gestação não foi fácil. Poucos dias após descobrir que estava grávida, ela teve um sangramento, cujo resultado foi o diagnóstico de um aborto espontâneo. Dois meses depois, durante a mudança de casa para outra cidade e alguns enjoos, Estella resolveu fazer um exame de sangue e descobriu que não tinha perdido o bebê. Muita leitura, vídeos e conversa depois, ela e seu esposo já sabiam que queriam um parto normal humanizado. No entanto, ela terminou em uma cesárea classificada como emergencial devido a sofrimento fetal sem ser informada objetivamente sobre o que o causava.
“O diretor da Santa Casa nos recebeu em visita e nos mostrou todos os recursos disponíveis para o parto. Eles possuem um programa de parto humanizado chamado 'Semente'. Quarto todo equipado, doula a disposição e equipe humanizada. Ele nos passou a taxa de cesáreas, episiotomias, uso de fórceps e tudo mais. Encheu-nos de confiança. A data foi se aproximando e a ansiedade aumentando, mas estava totalmente preparada para tudo o que o parto teria a me oferecer, inclusive a dor. Fiquei duas semanas em pródromos. Na noite anterior ao nascimento do Pedro, fizemos três visitas ao hospital e voltamos para casa. A orientação que recebi do GO [ginecologista-obstetra] era que se a bolsa rompesse antes das contrações, eu deveria ir ao hospital. Quando a bolsa rompeu, na empolgação, acordei meu esposo com um tapa. E ele se desesperou. Eu estava calma e feliz como nunca. Tentei acalmá-lo. Tiramos fotos da cama molhada, do vestido molhado. Tomei café, tomei um banho, me depilei e fomos para o hospital. E aí o terror começou."
De acordo com Estella, não havia ginecologista-obstetra de plantão em dois de janeiro de 2016. Avaliada pelo neonatologista, ela foi internada e encaminhada para a sala de pré-parto com dois centímetros de dilatação. O marido de Estella, Ricardo, percebeu uma movimentação da equipe de enfermagem no centro cirúrgico, que estava sendo preparado para a cesárea, já que naquele dia ela completava 41 semanas de gestação. Quando a enfermeira disse que iria colocar soro na parturiente, Estella exigiu que seu plano de parto, já protocolado no hospital, fosse seguido. Ela conta: "E só a partir daí minhas decisões foram respeitadas. A GO chegou uma hora depois e quis fazer o toque novamente. Bebê alto e os mesmos dois centímetros de dilatação. Saiu da sala friamente, e entrou uma enfermeira em seguida para me levar para o ‘Quarto Semente’. A doula chegou. Chuveiro quente, bola de pilates, caminhadas pelo hospital, reboladas, chuveiro de novo e mais uma vez a GO querendo me tocar. Começou a fazer terrorismo! E me enfiou no soro contra a minha vontade. O sentimento que tínhamos já era o medo de sermos maltratados pela equipe. Fiquei quatro horas no soro que não pingava, escorria em bicas, de tão rápido. Uma contração atrás da outra, mas até então eu ainda estava rindo. A GO entra novamente e faz mais um toque. Não sei o motivo, mas durou cerca de 2 minutos. Me machucou, eu chorei e ela falou: ‘Pai, olha aqui! Isso já é sinal de que o bebê está em sofrimento. Temos que fazer a cesárea!’. Era um pequeno coágulo escuro. O Ricardo mais do que depressa pediu para escutar o coração do bebê e a GO se recusou, dizendo que não havia necessidade. O Ricardo pediu para que todos saíssem da sala e conversamos a sós. Só sentíamos medo que fossem negligentes devido à nossa teimosia. E cedemos. Entrei no centro cirúrgico soluçando e sem ar de tanto que chorava."
Depois de a anestesia ter sido aplicada, Estella avisou que ainda conseguia mexer as pernas normalmente e sentia a médica tocando em sua barriga. Uma segunda dose foi aplicada. Ela ainda conseguia levantar a perna direita. A médica não só avisou Estella que logo ela deixaria de sentir o corpo, como beliscou a barriga da parturiente com uma tesoura para saber se ela realmente sentia algo. "Passaram o bisturi na primeira camada e eu já senti algo estranho e comecei a respirar ofegante. O Ricardo perguntou se estava tudo bem e eu disse que não, pois estava sentindo o corte. Passaram o bisturi novamente, eu travei os dentes e urrei de dor. O Ricardo começou a pedir para que parassem. Perguntaram-me se eu sentia dor mesmo, ou só a sensação de ser cortada. E eu já não conseguia nem responder mais. O anestesista abaixou perto do meu rosto e disse que teriam que me sedar, mas me acordariam para mostrar o bebê. Eu apaguei. E então vem o relato do Ricardo. Devido ao choque, meus batimentos começaram a cair. Tive uma parada cardíaca e outro médico que estava no plantão do pronto-socorro foi chamado. Me entubaram e a respiração e o coração voltaram ao normal. Eu não lembro de ter visto o Pedro, apesar de terem dito que me chamaram. O Ricardo tentou gravar alguma coisa, mas só aparece o chão na gravação e o choro do Pedro. Percebendo o desespero dele, a neonatologista o chamou para ajudar com os procedimentos no Pedro e tirá-lo de perto de mim. Deram os pontos e tentaram me acordar para que eu voltasse ao quarto. Durante esse processo comecei a convulsionar e levaram o Ricardo e o Pedro para o quarto.
Não sabemos o que houve depois disso. Só me lembro de já estar no quarto com eles, das fortes dores, por causa da ocitocina correndo, de só chorar, de não conseguir levantar. Fomos liberados dois dias depois, porque eu não conseguia sequer amamentar sem chorar. Implorei para ir embora e me liberaram com a minha garantia de que voltaria para os exames do Pedro que deveriam ser feitos ainda durante a internação. Em todas as tentativas de amamentar no hospital, o Ricardo me abraçava por trás e sustentava os meus braços que seguravam o Pedro. Ele foi essencial para que eu me mantivesse ‘firme’ e fosse capaz de cuidar do Pedro, mesmo tendo passado por todo o trauma junto comigo. Ele diz que não conseguiu ficar feliz no momento do nascimento. Que chorava desesperado ao lado da neonatologista e do Pedro, com medo de me perder. Ele não toca mais no assunto e me fez prometer que não contaria essa história ao Pedro. A GO justificou a cesárea por causa de mecônio. Mas não me dei ao trabalho de discutir. O Ricardo conhecia e eu olhei o lençol depois que ela saiu. Acho na verdade que o toque demorado e doloroso foi intencional. O menino saiu limpo da barriga. Depois descobrimos que ela já estava no final do plantão. Então forçou a cesárea para ganhar o dela e ir embora. Eu fiquei cerca de três meses com episódios de calafrios durante a madrugada. Chorei por quatro meses. Tentei tratamento homeopático. Eu não conseguia ficar feliz. O Ricardo falava que sentia saudade do meu sorriso, que eu não era mais a Estella de antes. E não! Não passou! Não cicatrizou! A ferida ainda está aberta e latente! Eu parei de chorar, voltei a sorrir, e passei a me confortar na amamentação. Pedro é lindo, nasceu saudável, sem sinal nenhum de sofrimento. Apesar da gestação e parto turbulentos, ele é um bebê tranquilo e nos consideramos sortudos por isso. Eu sou feliz por ser mãe. Nossa relação familiar é totalmente fortalecida, mas não há um dia nesses 6 meses em que eu não me lembre do ocorrido".
Para Daniela Andretto (SP), 41, psicóloga e mestre em estresse pós-traumático em pós-parto e depressão pós-parto, nem toda compreensão do parto acontece por meio de um ato racional. Compreender é um processo de aquisição de informação e que passa pelo emocional para se tornar um fato. Para ela, tanto mulheres quanto homens possuem idealizações, do mesmo modo que geram inúmeros mecanismos de defesa para se proteger daquilo que os amedronta. Ela explica que “discutir com a equipe escolhida previamente situações comuns de um parto e situações que saem do planejado/programado é essencial para trabalhar a ideia do inatingível, que as coisas podem sair diferentes do que se planeja/idealiza. Há partos que saem dentro do ‘planejado/idealizado’ e não garantem satisfação, há partos diferentes do planejado e são verdadeiros motores de descobertas, prazeres, positivamente experenciados”.
A pergunta que deve ser feita para partos marcados por intervenções possivelmente desnecessárias ou violência obstétrica, na opinião de Daniela, é se o que aconteceu é um problema para aquela mulher. Será que as intervenções não foram um problema e já se partiu do pressuposto que ela se frustrou com elas? Como ela está lidando com a violência obstétrica? O modo como ela lida com o parto real varia de acordo com o modo como ela foi preparada para ele, na confiança com a equipe, da sua estrutura emocional para lidar com as mudanças intraparto, se pode compartilhar das decisões de intervenção, por exemplo, e se, ainda com intervenção, se sentiu respeitada. “E, em todas as suas emoções, acolher acima de tudo. Acolher sua dor, sua frustração. Acredito que a doula e a doula de pós-parto não devam interferir sobre como ela deve lidar com os sentimentos que essa mudança ocasionou nela, pois os sentimentos após essa situação fazem parte de toda uma história dela, idealizada, construída, e que pode levar algum tempo para ser ressignificada. Como doula e doula de pós-parto posso lhe dar apoio, conforto, escuta empática sem julgamento e sem analisar a questão em si, pois isto não me cabe. Caso perceba que isso a esta deixando triste, deprimida a ponto de interferir na sua saúde e de seu bebê, indicaria psicoterapia.”
Acolhimento da rede de apoio e compreensão para ouvir e respeitar como a mulher lida com a experiência de parto é um caminho que familiares e amigos podem seguir para ajudar a mãe recém-parida. “E em todas as suas emoções, acolher acima se tudo. Acolher sua dor, sua frustração. Acredito que a doula/doula de pós-parto não deva interferir sobre como ela deve lidar com os sentimentos que esta mudança ocasionou nela, pois os sentimentos, após esta situação, acredito fazerem parte de toda uma história dela, idealizada, construída, e que pode levar algum tempo para ser ressignificada. Como doula/doula de pós-parto posso lhe dar apoio, conforto, escuta empática sem julgamento e sem analisar a questão em si pois isto não me cabe. Caso perceba que isto a esta deixando triste, deprimida a ponto de interferir na sua saúde e de seu bebê, indicaria psicoterapia. O modo como essa mãe viveu essa experiência e o modo como ela lida com essa experiência pode influenciar os sentimentos do puerpério, ou da extero-gestação do bebê, período em que a mãe sofre todas as alterações fisiológicas e psíquicas para que seu corpo retorne ao que era antes da gravidez. Toda a mudança que leva em média 10 meses para acontecer tem em média três meses para mudar. Essa transformação da mulher, agora mãe, coincide com a gestação fora do útero. O antropólogo Ashley Montagu foi quem apresentou o conceito, refletindo essa necessidade do mamífero humano de se desenvolver fora do ambiente uterino para ser independente, diferente da maioria dos mamíferos. De acordo com a teoria, isso acontece porque durante a evolução o cérebro humano passou a ser maior do que de todas as outras espécies de modo que se não nascesse sem estar com todas as habilidades incompletas, o corpo da mulher não aguentaria dar à luz corpo completamente desenvolvido. O conceito foi popularizado pelo pediatra americano Harvey Karp, que cunhou o termo “quarto trimestre”. Enquanto a teoria de externo-gestação indica nove meses de gestação fora do útero, o pediatra a relaciona somente com os primeiros três meses. O objetivo é o mesmo: reconhecer no bebê, dependente e indefeso, uma condição delicada de não estar pronto. Bebê e mãe não estão prontos para o puerpério. Ambos estão aprendendo, descobrindo um ao outro, descobrindo a si mesmos envoltos em uma bolha de emoção, regidos pela ideia de ser.
Por influência da mãe, que sempre falou sobre o exagero de cesáreas e como o aleitamento materno era importante, Thaís Mello (SP), 33, desejava um parto normal e desejava amamentar seu filho. Quando soube que estava grávida, já sabia que o ideal seria um parto domiciliar, mas ela e seu companheiro optaram por um parto hospitalar. “Não era possível escolher em qual hospital seria realizado o parto, pois teria que ser realizado onde a médica estaria de plantão. Isso para nós não era ruim porque caso houvesse alguma complicação inesperada teríamos uma equipe inteira à disposição. Meu plano de parto excluía o uso de medicamentos, indução do parto, episiotomia, manobras desnecessárias. Estava tudo planejado: liberdade para caminhar e comer, para escolher a posição do parto, luzes baixas, sem lavagem e tudo que poderia imaginar que seria o melhor e mais respeitoso parto e pós-parto que poderia ter. Sempre achei que parto era para ser compartilhado com a família e que meu marido ia cortar o cordão, que minha mãe ia me deixar maluca falando para eu respirar ou deixar as enfermeiras loucas com alguma opinião certeira dela, minha sogra querendo saber se já tinha acabado. Não foi assim. Foi um bebê prematuro quase pronto que resolveu que na 35ª semana tinha que estourar a bolsa e vir ao mundo. Após uma sessão de drenagem linfática, eu levantei da maca e me senti molhada, era a minha bolsa estourada. Em questão de segundos, desceu muito líquido. Nesse momento meu plano de parto ia começar a furar. Minha família e a do meu marido estavam fora da cidade. Percebi que meu parto não seria como imaginava”, ela conta.
De acordo com Thais, o monitoramento cardíaco mostrava que não havia nada anormal, assim como não havia contrações. Frustrada, concordou em induzir o parto se sentindo sem tempo de assimilar tudo que estava acontecendo e pensando que seria a única saída para ter um parto normal mesmo com bebê prematuro. Ao todo, Thais recebeu quatro exames de toque, dois comprimidos vaginais (que aceleram a abertura do colo do útero), uma dose de ocitocina sintética intravenosa. Isso tudo com três centímetros de dilatação. O parto não evoluiu e foi indicado para Thais a realização de uma cesárea. Sem saber quanto tempo um bebê prematuro se manteria em bolsa rota (quando a bolsa das águas estoura antes do trabalho de parto engrenar), ela concordou com a cesárea pensando na saúde do filho. “Hoje em dia acho – realmente não sei se havia algum perigo iminente – que a indução serviu apenas para eu ficar com dores de dilatação e me convencerem a partir para cesárea porque o parto normal não ia dar certo. No centro cirúrgico, o anestesista tentou aplicar a medicação três vezes nas minhas costas, eu estava dura, as agulhadas doíam mais que as contrações. Eu tenho muito medo de cirurgia, não conhecia nada dos procedimentos da cesárea, porque realmente não estavam nos meus planos. Quando amarraram os meus braços perguntei se era necessário e responderam que não tinha outro jeito. Eu almocei algumas horas antes, então no momento da cirurgia eu passei muito mal, chorava e achava que engasgaria no meu próprio vômito. Meu marido não foi autorizado a entrar na sala, uma tal regra para bebês prematuros, ninguém segurou minha mão quando precisava, nem tirou aquela foto icônica do nascimento, fiquei amarrada na maca até mesmo quando trouxeram meu filho para eu conhecer. Consegui olhar para cima e encostar minha bochecha na dele. Se havia algo no parto que eu sempre sonhava era o momento que eu olharia e segurava meu filho no colo logo que saísse do meu útero. Estar sozinha nesse momento foi mais frustrante que não ter parido pelas vias normais. Essa loucura de indução e cesárea tinha me deixado desnorteada e apenas consegui que o cordão dele fosse cortado depois que parasse de pulsar”.
Por muito tempo, Thais se sentiu mal com o parto, com a sensação de sua experiência ter sido roubada, assim como a do seu marido. Ela encontrou apoio em rodas de conversa e grupos de apoio nos quais se depara com histórias diferentes e ao mesmo tempo muito similares com a dela. Ainda é muito difícil lidar com a idealização do seu parto e aceitar a experiência real. “Hoje se tivesse que reescrever meu plano de parto incluiria nos estudos diversas possibilidades de complicações, tais como problemas de pressão, prematuridade, parto pélvico, cesárea e mentalmente me preparar para estas possibilidades, conversar muito com outras mães, sempre. No momento as cicatrizes emocionais doem mais que as físicas. Compensei toda essa frustração de não ter conseguido que meu filho tenha tido a melhor chegada ao mundo com minha dedicação à amamentação e criação dele. Quero que ele cresça e sinta se seguro no seu meio e com suas escolhas. Nesse meio tempo vou trabalhar para que eu aceite e ele aprenda que não tem problema se alguma coisa não sair como planejado”, finaliza.
A reflexão sobre a cesárea é objetiva: a cesárea foi necessária? Foi uma indicação real? Indicada por uma equipe de confiança? Quando necessária e como melhor opção para aquela família que está se formando, não necessariamente a cesárea será vista como um problema. No entanto, mulheres que idealizaram o parto normal e passaram por uma cesárea sentem-se tristes e frustradas por não terem vivido o que imaginaram. Além de receber acolhimento, essa mulher precisa sanar todas as dúvidas que possui para compreender porque passou pela cesárea.
Abordar as "desnecesáreas", ou as cesáreas eletivas, pede outro tipo de acompanhamento, já que, além de abordar equipe de confiança e lidar com experiências ideais e reais, é necessário pensar em informação e empoderamento, questão de gênero, estrutura financeira para se ter um filho no Brasil e a estrutura do sistema obstétrico brasileiro, que não facilita a experiência da parturiente. A discussão sobre o parto humanizado e o parto instrumentalizado passa por muitas esferas e não apenas pela ideia simples de parto vaginal ou parto cirúrgico, já que o sistema de saúde se beneficia financeiramente do corpo da mulher, pois o parto precisa ter um saldo positivo para os profissionais, incluindo não somente os valores exorbitantes para viver um parto humanizado, mas os profissionais de convênio que cobram para realizar uma cesárea por fora do convênio ou cobram o parto normal por fora do convênio para dar a mulher a “disponibilidade”, para garantir a presença do profissional do parto – e nem sempre a saúde do bebê e da mulher estarão garantidos.
Acolher e se empoderar
As cicatrizes do parto idealizado e do parto realizado podem ser profundas e podem estar expostas. O acompanhamento profissional de psicólogo, doula, doula pós-parto é uma opção para dialogar e lidar com a dor. Rodas de conversa e grupos de apoio, escolha da Thais Mello, são um caminho para ouvir e compartilhar – as feridas e as dores, quando compartilhadas e escutadas, ficam mais leves. A psicóloga e doula pós-parto Cláudia Aquino (SP), 34, esclarece que a postura do profissional é perceber qual é a demanda da mãe, o que ela precisa. Há mães que precisam de uma companhia neutra para conversar, outras que precisam de apoio para conseguir sair com o bebê de casa e aquelas que precisam de uma figura que ajude a desconstruir para a família os mitos em torno da adaptação pós-parto e do puerpério.
A depressão pós-parto está relacionada a muitos fatores e o modo como a mulher viveu o parto pode influenciar o diagnóstico. Cláudia Aquino acredita que o parto é o início de muitas questões que começam a ser revividas na maternidade, mas ela também considera que muitas outras questões podem potencializar um quadro depressivo no pós-parto: “o bebê idealizado versus o bebê real, os cuidados ou a falta deles com a mãe, a relação da mulher com seu próprio corpo transformado e infinitas e singulares outras questões. Acho importante falar que uma tristeza puerperal não é algo que deva gerar estranhamento para a mulher, há um fator hormonal envolvido”. De acordo com a pesquisa de Daniela, intitulada “Transtorno de estresse pós-traumático pós-parto e depressão pós-parto: prevalência e fatores associados em puérperas do setor público e privado da zona leste de São Paulo”, mulheres que tiveram partos traumáticos apresentam maior co-morbidade com a depressão pós-parto. Ou seja, têm maior chance de apresentarem depressão pós-parto. Porém, vale ressaltar que ter tido o ‘parto dos sonhos’ não garante que uma mulher não venha a desenvolver a depressão pós-parto. Hoje também se discute sobre o diagnóstico de depressão pós-parto: estariam essas mulheres de fato deprimidas, acometidas por uma doença? Ou na verdade esta mulher está cansada, esgotada, com privação de sono, sem apoio? E pior: é cobrada, julgada, sem ajuda prática, e espera-se dela um comportamento de felicidade plena? Precisamos de uma sociedade com menos rótulos e mais apoio de fato para mulheres em todo o seu ciclo: gravidez, parto e puerpério”, finaliza.
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