A mamadeira e a chupeta, tão altamente recomendadas pelo senso comum como facilitadores na criação de bebês e crianças, são mais prejudiciais do que práticos. A quem acredita que a mamadeira contribui para não deixar a criança “morrer de fome”, principalmente na madrugada, e que a chupeta acalma a criança, saiba que ambos, também chamados de bicos artificiais, causam diversos problemas de saúde para bebês e crianças. Se você quer amamentar seu filho exclusivamente por seis meses, por no mínimo dois anos (recomendação oficial da Organização Mundial de Saúde) ou prolongadamente (por mais de dois anos), tanto a chupeta quanto a mamadeira causam o desmame precoce. Afinal, se a chupeta e a mamadeira são tão prejudiciais para bebês e crianças, por que segue como recomendação de familiares? Por que profissionais de saúde recomendam o uso? Por que são tão bem vistas pelo senso comum?
Breve histórico da mamadeira
A ideia de substituir o seio materno por um objeto remonta à Idade Média. Há registros que dão conta de chifres de bovinos encapados com couro macio na extremidade, a fim de imitar um mamilo. Recipientes de couro, madeira, cerâmica ou metal foram usados com o mesmo objetivo no século 17. A semelhança entre esses recipientes e outros similares é que eles pareciam garrafas parafusadas, de modo que era impossível realizar a limpeza interna, o que comprometia a higiene bucal das crianças. O que propiciou o desenvolvimento da mamadeira moderna foi a borracha vulcanizada, descoberta na década de 1840.
Com a adaptação do material, de cheiro forte, para a produção de bicos artificiais, a produção em larga escala se desenvolveu rapidamente. Entre 1900 e 1950 um modelo de mamadeira com duas aberturas teve sucesso, até que adaptações entre as décadas de 1950 e 1960, com a introdução do popular Pyrex, modelo de mamadeira comprida (e estreita comum nos EUA desde 1920, mas popularizado a partir de 1950), propiciou a popularidade do modelo parecido com as mamadeiras atuais. Em 50 anos, as mamadeiras evoluíram em tamanhos, cores e modelos; podem ser de plástico ou de vidro; o bico pode ser de borracha ou de silicone.
A popularização da mamadeira contribuiu em larga escala para o desmatamento e como registra Cristiane Nunes Nogueira em sua tese de doutorado O Desdesign da Mamadeira - por uma avaliação periódica da produção industrial (que resultou no livro Amamentação e o Desdesign da Mamadeira), “embora desde o final dos anos de 1970 o consenso científico reconheça a superioridade do aleitamento materno e a inadequação da alimentação artificial como premissa médica e nutricional (salvo em raros casos, como os de mulheres portadoras do vírus HIV), a indústria continua concebendo novos modelos e incentivando sua adoção como prática segura”.
Breve histórico da chupeta
A descoberta da borracha também foi essencial para desenvolver a chupeta no modelo que é conhecido até hoje. Com mais de cem anos de história, o primeiro bico de borracha foi patenteado em 1900 nos EUA. Ao longo do desenvolvimento da chupeta, objetos como colheres de prata e panos embebidos em calda de açúcar foram usados como forma de substituir o mamilo e acalmar os bebês. Registros médicos do século 19 demonstram que os profissionais consideravam as chupetas de pano prejudiciais porque os panos eram umedecidos nas bocas das mães e das enfermeiras, o que poderia transmitir doenças venéreas aos bebês. Até meados de 1950, a chupeta não era vista com bons olhos. Seja pelo padrão mais antigo, com proteções e anéis anexados, seja no modelo mais semelhante ao que se usa atualmente, livros sobre bebês entre 1930 e 1955 condenavam o uso da chupeta por causar desfiguração da boca, de aftas e vários distúrbios digestivos.
O que muda com a mamadeira?
A sucção. Para ser amamentado, o bebê precisar estar com a boca bem aberta (para viabilizar a pega correta, boca aberta, formato de peixinho e abocanhar a aréola), anteriorizar a língua, realizar quatro movimentos mandibulares e movimentar os músculos responsáveis pela mastigação (masseter, temporal, pterigóideo medial). Quando começa a usar bicos, a boca do bebê fecha um pouco, a língua é empurrada para trás e a mandíbula realiza apenas dois movimentos, de modo que os músculos da mastigação não atuam. Quem passa a se movimentar é o bucinador, músculo facial localizado lateralmente à cavidade bucal, o que forma a bochecha. A sucção, então, muda e o bebê se confunde: não sabe quando abrir ou fechar a boca, quando anteriorizar ou posteriorizar a língua, quando realizar dois ou quatro movimentos mandibulares ou quando utilizar os músculos mastigatórios ou o músculo dos bicos. Acontece a chamada confusão de bicos.
Conforme argumenta o pediatra Carlos González nos livros Un Regalo para toda la vida e de Comer, Amar, Amar, não há provas experimentais que comprovem que a amamentação é prejudicada pela confusão de bicos. “Para isso teriam que oferecer mamadeiras de propósito a um grupo de bebês, escolhidos aleatoriamente, para ver o que acontece. Os que acreditam que isso não é ruim não se dão ao trabalho de fazer o estudo, os que acreditam que sim, que é mal, pensam não ser ético conduzir um estudo assim. “E daí se existe ou não existe?”, pensará o leitor; diante da dúvida, é melhor não dar mamadeira e pronto. Mas alguns dos que não acreditam na confusão de bicos recomendam dar a todos os bebês de peito uma mamadeira por cada semana, no mínimo, para que eles se acostumem. Porque senão, quando a mãe volta a trabalhar, ou por qualquer outro motivo tenha que sair de casa, o bebê rejeitará a mamadeira. Vamos combinar que reconhecem que a confusão de bicos existe pela menos no sentido contrário, de que o bebê que se acostuma ao peito logo rejeita a mamadeira”.
Por que a chupeta é prejudicial?
A primeira premissa a ser repensada: seu filho não faz o peito de chupeta, ele faz a chupeta de peito). O uso recorrente da chupeta é difundido como fórmula ideal e cômoda para acalmar o bebê com eficiência, tornando simples a tarefa de cuidar de um bebê. Falta de tempo, busca por métodos práticos de cuidados, falta de informação e até mesmo desconexão com o instinto da espécie são fatores que popularizam o uso da chupeta, como registra o texto O que Toda Mãe (e Pai) Deveria Saber Antes de Oferecer uma Chupeta para Seu Bebê, de autoria de Andréia Stankiewicz, cirurgiã-dentista especialista em odontopediatria.
Entre as consequências prejudiciais para a criança que usa chupeta, estão:
- Desmame precoce. De acordo com Andréia, diversos estudos mostram que crianças que desmamam precocemente usam chupeta com maior frequência do que aquelas que são amamentadas por um período maior;
- Prejuízo para fala, mastigação, deglutição e respiração da criança. “Podem surgir deficiências de dicção, presença de sibilo/ceceio na fala, voz rouca e/ou anasalada. A mastigação perde sua característica normal bilateral e alternada, tendendo a vertical ou unilateral, afetando diretamente as articulações têmporo-mandibulares e o desenvolvimento das estruturas envolvidas”;
- Alteração na postura dos músculos da boca: o lábio superior fica encurtado, o lábio inferior fica flácido e virado para fora, a pele do queixo pode ficar enrugada, as bochechas ficam hiper/hipotonificadas e caídas (varia de acordo com a forma que a criança adapta a sucção) e a língua perde a tonicidade, ficando numa posição baixa e retraída dentro da cavidade bucal;
- Deformação esquelética: altera os ossos da face, que crescem de forma desarmônica, com alterações e rotações dos planos de crescimento, de modo que arcadas e ossos nasais ficam mais estreitos e ocorre desvio de septo, situações que interferem em deglutição, mastigação, fala e respiração, além de desenvolver mordidas abertas e mordidas cruzadas;
- Danos prolongados de chupeta e dedo são semelhantes: como argumenta Andreia, “dados epidemiológicos mostram que apenas 10% das crianças chupam o dedo prolongadamente, enquanto 60 a 82% chupam chupeta e 4,1% associam os dois hábitos. Ao contrário do que se costuma acreditar, os danos causados pela sucção prolongada de dedo ou de chupeta são bem semelhantes. A sucção do dedo, contudo, se assemelharia mais ao peito por ser intracorpórea, ter calor, odor e consistência mais parecidos com o do mamilo e pelo fato de ficar praticamente na mesma posição do bico do peito dentro da cavidade bucal (próximo ao ponto de sucção, no fundo da boca)”;
- Síndrome do Respirador Bucal: respirar pela boca provoca consequências no organismo como um todo e o uso prolongado da chupeta contribui para o desenvolvimento da síndrome. “O ar inspirado pela boca não sofre o processo de filtragem, aquecimento e umedecimento fisiológicos, deixando o sistema respiratório mais vulnerável a doenças em geral”.
A fórmula é grande vilã nesse processo?
Não. As fórmulas não trazem risco de vida ao bebê e seguem um código de segurança extremamente rígido, chamado Codex Alimentaris, um manual que determina, entre outras coisas, exatamente a composição das fórmulas infantis. As fórmulas têm a capacidade de nutrir e contribuir para o desenvolvimento do bebê, mas não são substitutas do leite materno. O que traz risco aos bebês e à alimentação infantil de modo geral é a recomendação abusiva do leite artificial, que deve ser receitado e recomendado para situações específicas, tais como hipogalactia da puérpera, ingurgitamento mamário, interrupção da produção de leite por causas psicoemocionais, razões específicas que comprometem a saúde da mãe e da criança, como a contaminação da lactante pelo vírus HIV.
O que contribui para o uso indevido e a falsa ideia de que o leite artificial alimenta e nutre mais o bebê do que o leite materno é a própria indústria, que propaga por meio do marketing, se não nos supermercados, ao patrocinar a Sociedade Brasileira de Pediatra (SBP) e diversos congressos, encontros e profissionais, a ideia de que o leite artificial é o melhor para o bebê. O decreto nº 8.552 regulamentou a lei nº 11.265, de 3 de janeiro de 2006, que dispõe sobre a comercialização de alimentos para lactentes e crianças de primeira infância e de produtos de puericultura correlatos. Desde então, está vetado qualquer tipo de propaganda de leites artificiais, mamadeiras, papinhas, fórmulas, produtos farináceos e chupetas em veículos de comunicação com o objetivo de reduzir o uso de produtos comerciais na amamentação e assegurar a utilização adequada de produtos direcionados a crianças de até três anos. O decreto também determina que recipientes devem conter informações sobre a idade adequada para cada produto e um alerta sobre a importância da amamentação. Embalagens de bicos, mamadeiras e chupetas devem conter avisos sobre o prejuízo que o uso esses produtos podem causar à amamentação.
Cabe desconfiar de profissionais e instituições que corroboram com o comportamento de minar a amamentação nos primeiros dias de vida, receitando leite artificial e ministrando o mesmo em mamadeira, prejudicial para a amamentação.
Saiba como perceber quais são os sinais de confusão de bico
Você pode até não perceber ou não associar à primeira impressão. Mas, como o bico muda a fisiologia da sucção do bebê, aos poucos ele vai deixar de sugar a mama com a mesma precisão. Consequentemente, você, mãe, vai ter uma falsa impressão de que seu leite diminuiu e então vai dar mais leite artificial para o bebê. Quanto mais leite artificial você der na mamadeira, mais difícil será estabelecer a pega no seio materno (são dois músculos contra quatro, lembra?) e, aos poucos, conforme a demanda do bebê diminui, o leite vai secar, o bebê vai mamar e largar o seio rapidamente, ou abocanhar sem a pega correta, ou tentar bicar o mamilo (como se fosse um pequeno pica-pau). E chorar. Chorar durante a mamada e depois da mamada. Esses são os sinais clássicos da confusão de bicos.
Nesse cenário, quem é a salvação? O leite artificial, mas não necessariamente na mamadeira (em caso de ser necessário alimentar o seu filho com leite artificial, é recomendado o uso de copo de bico rígido ou de xícara, a fim de não provocar confusão de bicos). O aleitamento funciona da seguinte forma: a sucção do bebê faz com que o leite seja produzido. Quanto mais o bebê suga, mais leite será produzido, quanto menos suga, menos leite é produzido, se ele deixar de sugar, o leite secará. Mais de 80% do leite é produzido durante a mamada e, por isso, e fala que peito é fábrica, não estoque. Quanto mais o bebê mama, mais leite é produzido. Por isso, para salvar a sua amamentação, é importante compreende a composição do leite, abandonar alguns mitos e lendas sobre a amamentação e não, não comprar o leite artificial. Se você quer amamentar exclusivamente ou prolongadamente, é necessário acreditar que não há substituto para o leite materno.
Para ficar atenta! Sinais claros de confusão de bicos
- Pega errada, fazendo com que os mamilos fiquem machucados;
- Agitação no peito, durante a mamada;
- Movimentação constante dos braços e das pernas;
- Afastar o seio com as mãos;
- Situação de pega e solta, pega e solta o seio, repetidamente;
- Chorar e virar a cabeça, demonstrando irritação;
- Gritos e recusa completa de pegar o seio.
O custo da praticidade
Do ponto de vista da amamentação, tanto mamadeira quanto chupeta contribuem para a confusão de bicos e para o desmame precoce (todo desmame ocorrido antes dos dois anos de idade é considerado precoce, já que a recomendação é que a amamentação seja continuada durante os dois primeiros anos de vida do bebê, pelo menos). Do ponto de vista do desenvolvimento, tanto a mamadeira quanto a chupeta provocam interferências negativas, principalmente no desenvolvimento da mastigação, na alteração dos ossos da face e na dentição. Além do fato de substituírem o contato pele a pele com o seio materno e consequentemente interferir no vínculo entre mãe e filho e na simbiose da dupla. Na maneira de educar os filhos moderna, os bicos artificiais são alternativas usadas pela praticidade e pelo comodismo, para os pais conseguirem lidar com o (pouco) tempo que sobra para os filhos ou mesmo para lidar com os cuidados (sim, bebês choram e, sim, precisam de colo), tornando a necessidade de sucção de criança uma responsabilidade da mamadeira e da chupeta. Por que, afinal, o choro do bebê é problema? Ou o é a necessidade de encaixar bebês em estereótipos de passividade? Ou é a necessidade de ter o famigerado tempo de qualidade com os filhos? Qual o preço da praticidade?
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