Amamentação pede disposição, paciência, se colocar em uma postura de aprendizado. A maternidade, principalmente quando bem pensada sobre ser ou não compulsória e romantizada, está ligada a uma fase da mulher em que ela é ao mesmo tempo mestre e aprendiz. E é, por isso, uma construção constante e instável, já que o que não falta na maternidade são fases, desenvolvimentos, desdobramentos, novas consciências e novas escolhas. Quando relacionada à amamentação, a maternidade é entrega: vínculo emocional, animal e nutriz - amamentar é muito mais do que amor e muito mais do que apenas alimento. A entrega é tamanha que é preciso informar-se antes, porque, acredite, assim que seu filho começar a ser amamentado, você sofrerá uma enxurrada de palpites, causos populares, simpatias e histórias (as de fracasso serão mais faladas que as de sucesso) sobre quando, pasmem, parar de amamentar. Isso porque a cultura de amamentação no Brasil ainda está se desenvolvendo, não é majoritária. A gestação e o início da vida ainda passam por uma ideia tecnocrática e industrial de desenvolvimento em detrimento do significado primordial desse período: somos mamíferos (e leoas, sim).
Nesse sentido, os mitos sobre amamentar são muitos: mamoplastia ser impeditiva para amamentar, seio murcho não ter leite, leite ser fraco e por isso a demanda do bebê ser tão alta, relação seio pequeno tem pouco leite e seio grande tem muito leite, leite artificial ser obrigatório nos primeiros dias de vida, mamilos planos e invertidos impedirem a amamentação. Para desconstruí-los, o taofe falou com especialistas no assunto: com a enfermeira-obstetra Cinthia Calsinski, mãe de Matheus, nove, Bianca, sete, e grávida de sete meses da Carolina e, claro, com mães que amamentam.
Mito #1: Seios grandes equivalem a muito leite, seios pequenos equivalem a pouco leite
Por que é mito? De acordo com Cinthia, é a composição corporal de glândulas, músculos e gordura que define o tamanho de um seio, por isso, não é possível estimar que quanto mais seio, mais leite. Vivian de Fátima Lima (SP), 33, mãe de Ian, um ano e oito meses, sempre teve seios pequenos. “Não aumentaram durante a gestação. Três dias após o parto o leite desceu, mas não senti a apojadura como todos comentam, não senti nada demais. Meu peito vazou raras vezes quando ele era recém-nascido, e vazava de um lado quando ele mamava do outro, não vazava se ele não estivesse mamando. Hoje ele tem um ano e oito meses e durante a semana não mama no peito: durante o dia pois eu trabalho, saio de casa às 6h e retorno às 19h. Ele mama muito quando eu chego, acorda uma vez na madrugada para mamar e mama antes que eu saia para o trabalho. Mesmo ficando a semana toda sem amamentar durante o dia, aos fins de semana ele mama em livre demanda, e o peito produz na hora que ele mama. Mais uma incrível comprovação de que a natureza é sábia e que o peito não é estoque e sim fábrica”, conta.
Já Lygia Cabral Oliveira (SP), 33, mãe de Laura, de um ano e dez meses, ouviu que por ter seios pequenos, não teria muito leite. “Na crise dos três meses, até achei que a produção estava diminuindo, minha filha engordou um quilo por mês nos primeiros 6 meses de leite materno em livre demanda. Antes dela fazer três meses comecei a doar leite para o banco de leite, tirava uma ou duas vezes por semana quando ela dormia bem e o peito enchia muito. Com quatro meses e meio, comecei a treinar para voltar ao trabalho e ordenhava todo dia, doava uns dois vidros de 500 ml. Ordenhei por sete meses no trabalho e ninguém acreditava que tinha leite. Eu tinha que mostrar os vidros cheios”.
Mito #2: Mamilos planos ou invertidos inviabilizam a amamentação
Não. Segundo Cinthia, para mamar, o bebê deve realizar a pega correta, na qual ele abocanha a maior parte possível da aréola. "Dessa maneira, mamilos planos ou invertidos podem dificultar um pouco nas primeiras mamadas, mas apenas até o bebê entender como deve ser feito. Mulheres com mamilos planos e invertidos amamentam normalmente", explica Cinthia.
No caso de Drazy Leitão (RJ), 23, mãe de Laura, um ano e oito meses, o bico de silicone foi essencial por causa do bico invertido (aliás, o bico de silicone deve ser usado apenas em situações específicas como bico invertido ou plano e retirado após o bico se "formar" devido ao uso frequente do acessório). “Nos três primeiros dias ela mamou colostro normalmente, porque o seio estava murcho. No quarto dia, desceu o leite e o peito inchou. Nisso, o bico ficou totalmente plano e invertido. Fiz de tudo, mas ela não conseguia mamar. Então recorri ao bico de silicone. Ela mamou exclusivamente até os 6 meses com o bico de silicone. E depois um dia simplesmente tirou o bico e começou a mamar no meu mamilo. Eu sempre tentava que ela mamasse no meu mamilo, mas ela não conseguia e eu dava o bico, pois para mim era muito melhor ela mamar com o bico do que não mamar, meu leite secar e eu ter que dar fórmula. Depois que ela mamou no meu seio sem bico de silicone foi tudo igual. Mamou até um ano e oito meses”.
A pequena Laura desmamou por causa da gravidez da mãe. A lactogestação é comum e não interfere na gravidez: o filho mais velho segue mamando, até quando quiser; é comum que o sabor do leite mude ao longo das semanas e então o mais velho pode, sim, desmamar. “Ela parou definitivamente sem trauma, sem eu forçar. Tudo de forma natural. Mas agora ela dorme com as mãos nos meus seios (muito fofa). Sei que minha experiência pode ser muito criticada, mas assim eu pude amamentar minha filha. Eu achei que nunca fosse conseguir amamentar, mas eu consegui e sou muito feliz. Agora com esse bebê vou relutar mais e tentar não usar o bico - até porque já tenho mais experiência com amamentação”, finaliza.
Mito #3: Beber água aumenta o volume de leite produzido
A verdade é que ingerir uma boa quantidade de líquidos no período de amamentação é muito importante para a própria mãe e para o funcionamento do seu organismo, inclusive para a produção de leite. Cinthia explica, no entanto, que isso não significa que quanto mais água a ingerida mais leite irá produzir. Quer saber mais? Peito não é estoque, é fábrica: 80% do leite que o bebê mama é produzido durante a mamada. Beber muita água para ter mais leite não faz sentido. A grande aliada da produção de leite é a prolactina.
Quando um bebê mama, impulsos sensoriais vão do mamilo para o cérebro. Em resposta, a parte anterior da hipófise na base do cérebro segrega prolactina. A prolactina segue através do sangue para a mama, fazendo com que as células secretoras produzam leite. É o que diz o Manual do Aleitamento Materno, da Unicef, no qual também está explicado que “a maior parte da prolactina está no sangue cerca de 30 minutos após a mamada – o que faz com que a mama produza leite para a mamada SEGUINTE. Para esta mamada, o bebê toma o leite que já está na mama. Ou seja, quanto mais o bebê suga, mais leite é produzido”.
Sobre a prolactina, é importante que a mãe saiba que:
- Mais prolactina é produzida à noite; portanto, amamentar durante a noite é especialmente importante para manter a produção de leite;
- A prolactina faz com que a mãe se sinta relaxada e algumas vezes sonolenta; logo, geralmente a mãe descansa bem, mesmo amamentando durante a noite;
- A prolactina suprime a ovulação; assim, a amamentação pode ajudar a adiar uma nova gestação, sobretudo se a amamentação for praticada também durante a noite.
Mito #4: Bebê deve ser amamentado a cada três horas
Definitivamente, não. Sabe aquela entrega para a amamentação? Ela inclui desprender-se do relógio. “O bebê dever ser amamentado em livre demanda. Quando chora e sua mãe identifica o choro como fome é hora de amamentar. Ninguém gosta de comer com intervalos rígidos, e sabemos que conforme foi à alimentação anterior, a próxima pode ser antecipada ou retardada, e isso acontece também com o bebê. Amamentação não é apenas matar a fome. No Verão, por exemplo, o bebê pode ir mais vezes ao seio, e por tempos extremamente curtos, como três minutos. É uma maneira de matar a sede”, explica Cinthia.
Uma boa definição sobre livre demanda é a do pediatra Carlos González no livro Un Regalo Para Toda La Vida: “A demanda não significa dar o peito cada vez que chore. O choro é um sinal tardio de fome. Do momento que uma criança maior tenha fome até que chore podem passar várias horas. Do momento que um bebê tem fome até que chore podem passar alguns minutos, ou até mais, dependendo da personalidade do bebê. Mas é raro, que nada mais ter fome, comece a chorar. Antes disso terá mostrado sinais precoces de fome: uma mudança no nível de atividade (acordar, mexer-se), movimentos com a boca, movimentos de procura com a cabeça, barulhinhos, por as mãozinhas na boca...então, é quando se deve pô-lo no peito, não esperar que chorem. Se um bebê que está fraco porque perdeu peso está sozinho no seu quarto, fora da vista dos seus pais, é provável que dê estes sinais e ninguém perceba e ele volte a dormir por cansaço”.
“Por último, recordar que à demanda não só significa quando o bebê quer, mas também quando a mãe quer. É claro que as necessidades de um recém-nascido são totalmente prioritárias. Mas, à medida que o bebê cresce, cada vez sua mãe tem mais possibilidades de decidir quando dá o peito ou não. Vale ressaltar que um horário rígido é inadequado em qualquer idade e sempre convém que o bebê decida a maioria das mamadas. Mas não há problemas em adiantar ou atrasar um pouco alguma das mamadas. Assim que, ao contrário do que muita gente pensa, a livre demanda não é uma escravidão, mas sim uma liberação para a mãe. A maioria das vezes pode fazer o que quer o seu filho, de modo que o bebê está feliz e não chora e, portanto, a mãe também está feliz e não chora. E de vez em quando pode fazer o que ela quer. A escravidão é o relógio”.
Mito #5: Até a descida do leite se deve alimentar o bebê com leite artificial
Não, o bebê precisa do colostro. Cinthia explica: “Logo após o parto já existe a produção de colostro, que é um tipo de leite com características especiais para os primeiros dias de vida. A descida do leite ocorre geralmente por volta de 72 horas após o parto e o colostro é o suficiente para o bebê neste período”. Essencial para a formação da imunidade do bebê recém-nascido, o colostro é composto de imunoglobulinas, principalmente a IgA (Imunoglobulina do tipo A), interleucinas, lisozimas e lipídeos, ajuda a eliminar o mecônio e permite que a mãe passe ao bebê anticorpos relacionados às doenças com as quais ela já entrou em contato. De sabor levemente salgado e coloração amarela, começa a ser formado nas últimas semanas da gestação e continua no pós-parto, até a apojadura. Se associado à livre demanda, traz mais benefícios ainda para o bebê, já que por imunizar passivamente, os anticorpos da mãe protegem cada vez mais o sistema imune imaturo do recém-nascido.
Amamentar o colostro em livre demanda pode ser cansativo. É. O bebê solicita o seio repetidamente, em breves intervalos. A impressão é que a maternidade chegou como uma avalanche e, de fato, até pode ser, mas é essencial para o estabelecimento da saúde do bebê. É comum nas maternidades que a mamadeira seja ofertada para que a mãe descanse e também é comum que o leite artificial seja ministrado sem consentimento ou explicação embasada em evidências. Mães, relutem. Amamentar é vínculo, mas também estabelecer a saúde do seu filho e precavê-lo de uma série de doenças respiratórias e gastrointestinais.
Gabi Langer (SP), 32, mãe das gêmeas Isabella e Stella, conta que já na maternidade a pediatra da UTI neonatal disse que minhas filhas precisavam sair de lá sabendo mamar na mamadeira. “E eu dizia: 'mas ela está mamando bem no peito! Não precisa!'. Ela olhou bem séria e disse: ‘esquece isso de amamentar exclusivamente gêmeos, sempre precisa complementar’. Eu disse que tinha acabado de entrar em um grupo que dizia que era sim possível. Resposta: ‘Melhor você sair desse grupo senão você vai ficar maluca’. Aqui estou eu, amamentei exclusivamente minhas gêmeas até o sexto mês. Elas estão com um ano e seis meses e continuam mamando”.
Mito #6: Se o seio não fica cheio e duro, não está produzindo leite suficiente
Na verdade, peito murcho é sinal de produção ajustada, o que é ótimo. Cinthia explica que é comum que nos primeiros dias a produção de leite não esteja ajustada à demanda do bebê. “Assim, muitas mães sentem o seio cheio e duro. Logo a produção se torna equilibrada e o leite é produzido no momento da amamentação, não havendo produção em demasia, o que faz com que o seio esteja mais flácido”. O ajuste da produção não segue uma regra específica e varia de mulher para mulher: algumas terão produção ajustada amamentando por um mês, outras com três meses.
Priscila Monteagudo (SP), 31, mãe de Miguel, um ano e onze meses, precisou mudar de pediatra para que parasse de ouvir que seu seio murcho significava leite insuficiente. Ela conta que o primeiro pediatra de seu filho não estava contente com o ganho de 20 gramas por dia e queria convencê-la que ela não tinha leite suficiente para amamentar. Insegura pelo insucesso da amamentação do primeiro filho, Priscila precisava de apoio (e também de um profissional bem informado). Após duas consultas com questionamentos sobre leite vazando do seio, ela criou coragem e procurou outro pediatra.
“E foi a melhor escolha que eu já fiz, fui acolhida, respeitada em minhas escolhas e estou atualmente amamentando estando grávida, algo que eu nunca imaginei que fosse vivenciar na minha vida. Acho que essa questão da abundância do leite, que a mulher precisa ter muito leite para poder amamentar é um mito, porque a gente sabe que 80% da produção é feita durante a sucção do bebê. Então, o leite que vaza representa só 20% dessa demanda. E os profissionais, ou por não saberem ou por não quererem apoiar a mulher, usam qualquer indício para minar a confiança da mulher e introduzir leite artificial. Eu não aceitei porque esse filho eu quis tanto amamentar, já que o filho mais velho mamou menos de um mês, que eu fiz um curso de Aconselhamento em Aleitamento Materno, então eu sabia muito bem o que eu queria e como fazer”, conta.
Mito #7: Na volta ao trabalho é necessário desmamar o bebê
Vamos às recomendações segundo órgãos oficiais de saúde: amamentação exclusiva durante os primeiros seis meses de vida da criança, amamentação por no mínimo dois anos (antes disso, qualquer desmame é precoce; a amamentação prolongada se inicia, portanto, a partir dos dois anos de idade da criança). A partir dos seis meses, iniciar a introdução alimentar, que se estabelece após o primeiro ano de vida. Em todas as fases da amamentação, livre demanda. A mãe que volta ao trabalho não pode seguir com a livre demanda? Pode, adaptada. Essa é, afinal, a vantagem dela.
Segundo Cinthia, “a mãe que volta ao trabalho antes dos seis meses, o que infelizmente é maioria, pode ordenhar seu leite e outra pessoa pode oferecê-lo para que se continue em amamentação exclusiva. A recomendação é amamentar pela manhã, no final da tarde e no meio da noite diretamente ao seio, e no momento que mãe e bebê não estão juntos a administração se faça através do copinho”. Mamadeira, copo de bico de silicone ou borracha, chuquinha estão fora da lista. Copo pequeno, tipo shot, e xícara de café são as opções. Depois que o bebê tiver prática em ambos vale a pena introduzir o copo com bico rígido.
Trabalhar fora não é sinônimo de desmame. Ordenhar, fazer estoque, comprar frascos, adaptar frascos de vidro, alugar bomba, aprender a ordenha manual serão os termos do novo dicionário da mãe. Quer um exemplo? Lunna Caroline (GO), 28, mãe de Alice, um ano e dez meses, fica fora 10 horas por dia. “Alice mamou exclusivamente até 6 meses e segue mamando até hoje (um ano e dez meses) sem necessidade de complementar com qualquer outro tipo de leite". Para saber como fazer seu estoque, aprenda a ordenhar e armazenar.
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