O evento de parir vem sendo desdobrado, há tempos, não só por ser um evento social, mas também por ser um evento natural, resguardando em si, ao mesmo tempo, informações científicas sobre como ele se desenrola e individuais no que se refere, por exemplo, a medida de dor que cada mulher sente. Há, no entanto, alguns tabus que cercam o parto e seu desenvolvimento, podendo prejudicar a saúde tanto da mulher quanto do bebê. Tabus já desmistificados por uma série de estudos, temas do parto como circular de cordão, falta de passagem e falta de dilatação ainda são amplamente difundidos como corriqueiros e impeditivos para que a mulher possa parir.
Circular de cordão
Já ouviu falar em “o cordão está enrolado no pescoço do bebê. Vamos marcar a cesárea antes que ele fique sem respirar?”. Se não foi você própria que caiu no conto do cordão, certamente conhece alguém em sua família ou no trabalho que já relatou essa situação como de vida ou morte. Infelizmente, o profissional de saúde mentiu para você, porque o bebê não respira pelo pulmão na vida intrauterina e, portanto, não pode ser enforcado. O cordão umbilical é formado por uma substância gelatinosa, maleável e elástica que protege os vasos sanguíneos que levam sangue e oxigênio para o bebê – ele pode ter até um metro de comprimento.
A psicóloga, doula, educadora perinatal e acupunturista Érica de Paula (DF), 30, explica que o fato do bebê estar sempre se movimentando dentro do útero faz com que seja extremamente comum ele se enrolar no pé, nos braços, no pescoço e em outras partes do corpo sem que isso acarrete qualquer problema para o feto. “O bebê não respira pela traqueia dentro da barriga, e sim pelo próprio cordão. Cerca de 30 a 40% dos bebês nascem com o cordão enrolado no pescoço, ou seja, é fisiológico e até esperado que os bebês nasçam com circular, sendo que esse dado sequer deveria constar nos exames ultrassonográficos”. O que você vai ver por aí? Uma, duas, três, quatro circulares de cordão. Basta desenrolar com cuidado após o nascimento do bebê.
Larissa Moraes (SP), 32, só viu as duas circulares de cordão de sua filha Rebecca, de três meses, na hora em que ela nasceu. “Não sabia delas, não foram detectadas em ultrassom e também não me importei. Ela nasceu na banqueta, então ela foi direto em direção ao chão quando nasceu. A enfermeira aparou ela e antes de me entregar desenrolou. Foi rápido”.
Falta de passagem
Leva muitas mulheres para uma cesárea agendada. O que elas precisavam saber – e agora que você sabe, não vai se deixar levar por informações falsas do médico, provavelmente cesarista –: a falta de passagem se refere à desproporção cefálo pélvica e pode ser diagnosticada somente durante o trabalho de parto. Ou seja, se antes do trabalho de parto, com 20 semanas, 32 ou 39, o obstetra tentar diagnosticar seu corpo e falar que “vamos precisar ver se você vai ter passagem”, desconfie. Primeiro, porque ele provavelmente estará querendo conduzir você para uma cesárea. Segundo, porque ele está minando a sua capacidade de parir.
De acordo com Erica, essa condição só pode ser diagnosticada em trabalho de parto ativo, em geral a partir de 7 centímetros de dilatação, através de uma avaliação obstétrica quanto a ausência de evolução do trabalho de parto. Nesse caso, é indicado uma cesariana intraparto (realizada durante o trabalho de parto). “É uma situação bastante rara e, mesmo que ocorra, nada impede que numa próxima gestação a mulher opte por tentar novamente ter um parto normal”, explica.
Milena Ferrari Fratin (SP), 36, mãe de Izadora, de quatro meses, deu entrada no hospital com seis centímetros de dilatação com oito horas de trabalho de parto. A bolsa rompeu durante o exame de toque e a partir desse momento a dilatação evoluiu mais rápido: em duas horas, já estava com 10 centímetros de dilatação. Depois de mais quatro horas de força, dança, bola, massagem e posições, o obstetra constatou que Izadora não conseguia passar. “Quase morri de chorar, meu sonho indo por água abaixo. Eu tinha muito medo de morrer durante a cesárea. Foi fundamental ter confiança na minha equipe. Por conta da desproporção, tinha um grande bócio, o que confirmou a necessidade da cesárea. Apesar da frustração e de todo o preparo para o parto normal. A natureza me mostrou que nem tudo é como a gente planeja e quer”.
Falta de dilatação
Não teve dilatação e foi para a cesárea? A pergunta real é: você dilatou durante quanto tempo? O processo de dilatação varia de mulher para mulher, não há um tempo predeterminado que possa especificar precisamente que você não está dilatando. É preciso avaliar o contexto: como está o colo do útero, a posição do bebê, a dilatação, o coração do bebê? Há quantas horas a mulher está dilatando e com contrações? Como são as contrações? É o contexto que dá sinais da progressão do parto. Realmente, a maioria das histórias sobre falta de dilatação são de partos instrumentais, em que a mulher foi internada, recebeu ocitocina sintética (ou sorinho) sem explicação e em uma hora não apresentou evolução. Em seguida, diagnóstico de falta de dilatação e cesárea.
Erica explica que na maior parte das vezes que ouvimos relatos de falta de dilatação, a mulher não estava de fato em trabalho de parto ativo - contrações efetivas, vindo com uma frequência de pelo menos três a cada 10 minutos, durando a partir de 40/50 segundos cada e bastante intensas. “É comum vermos gestantes correndo para o hospital ainda em pródromos (um conjunto de sinais que antecede o TP e pode durar semanas), fase latente (pode durar dias) ou assim que a bolsa estoura (o que não é sinônimo de trabalho de parto). Então, para o médico, fica mais fácil sugerir a cesariana alegando falta de dilatação do que ter que lidar com aquela situação que ainda pode se prolongar bastante! A falta de dilatação pode sim ocorrer, mas em casos muito específicos - uma parada de progressão após muitas horas de contrações efetivas, mesmo lançando mão de recursos como ocitocina, analgesia, amniotomia, e pode significar inclusive uma DCP (desproporção cefalo pélvica) ou uma condição rara chamada ‘tríplice gradiente descendente’ (quando a contração não empurra o bebê para baixo como deveria ser)”. Segundo ela, a tríplice é incomum e não acontece em nem 1/100 das vezes em que se ouve falar em falta de dilatação. “Para isso existe um documento chamado 'partograma', que o profissional vai preenchendo durante a evolução do trabalho de parto e que o ajuda a definir quando é hora de intervir com segurança”, finaliza.
Medo da dor do parto
“Quem não tem medo do parto?”, é o que diz Mariana Rotta Wczassek (SP), 26, mãe de Olívia, de dois meses. Para ela, parir é dolorido, mas não insuportável. “Passa rápido a contração e eu só sentia dor durante a contração; no intervalo, estava normal. Mas foi tranquilo. Faria de novo mil vezes”.
Sentir medo do desconhecido é natural. Para Erica, o parto de fato dói, mas é importante diferenciar a dor fisiológica do parto do que a dor causada por procedimentos desnecessários como ocitocina de rotina, Kristeller, episiotomia. “A solidão, ficar deitada, o jejum forçado e um ambiente hostil também podem amplificar a sensação de dor da mulher. Em um parto verdadeiramente respeitoso, onde a mulher pode se movimentar e se alimentar livremente, além de ter acesso à métodos não farmacológicos de alívio da dor (ou até mesmo farmacológicos, se for necessário), a dor será lembrada apenas como um detalhe diante de um momento tão único e intenso”.
“Eu tinha medo da anestesia nas costas, e tinha medo de não aguentar sem a anestesia. E tinha medo de demorar muito. Como o plano a era parir em casa de parto, eu tinha medo de ter muita dor e não poderem fazer nada e ser obrigada a parir sem anestesia. Mas tinha medo de ir para o hospital e darem anestesia sem eu querer, porque eu tinha medo da picada nas costas (risos). No fim, não foi na casa de parto, não doeu tanto, eu precisei de analgesia para uma manobra - a picada foi bem tranquila, difícil foi ficar sentada. A bolsa estourou com mecônio, me desesperei, queria que acabasse naquela hora. A pediatra conversou comigo e me tranquilizou dizendo que bebê estava bem. Meu parto só aconteceu porque eu tinha uma equipe humanizada ótima. Se não, teria sido cesárea”, finaliza Mariana.
Bolsa rota
A maioria dos trabalhos de partos se iniciam com contrações e só depois a bolsa estoura. Nos casos em que a bolsa estoura antes do início do trabalho de parto, ou seja, antes de contrações regulares e efetivas, acontece a bolsa rota. Segundo Erika, a gestante deve comunicar a equipe médica e observar a cor do líquido e movimentação fetal. Foi o que Estella Simielli (SP), 31, mãe de Pedro, um ano e quatro meses, e de Catarina, 29 dias, fez. “Eu estava com o Pedro no colo bebendo água porque ele tinha acordado, aí senti escorrendo bem pouquinho. Avisei a equipe e fiquei em casa de boa. Com 26 horas de bolsa rota, saiu líquido com mecônio e o obstetra pediu para ir ao hospital e fazer monitoramento. Internei com 30 horas de bolsa rota, mas levei a vida normal até então, com direito a ida ao mercado”.
Erica explica que nesses casos cada profissional irá trabalhar com o protocolo que se sente mais seguro, mas o fato é que a grande maioria das gestantes entrará em trabalho de parto em até 24 horas de bolsa rota. “Passando desse período, alguns cuidados específicos podem ser tomados e se for do desejo da gestante e havendo autorização da equipe, pode-se aguardar por mais tempo o início das contrações, ou induzir o trabalho de parto. Correr para a maternidade imediatamente após a rotura da bolsa é praticamente pedir para fazer uma cesariana, já que sem contrações não haverá dilatação”.
No caso de Estella, foi realizado indução com acupuntura, óleo de rícino e no final das contas ocitocina, porque Catarina apresentou uma taquicardia, decorrente de uma febre por infecção por BR (infecção bacteriana do útero, que pode ser causada pelo exame de toque, por exemplo; o colo do útero aberto sem o líquido amniótico facilita a infecção). “Daí a ocitocina para acelerar o TP, em doses baixas por causa da cesárea anterior. Por causa da infecção, o obstetra fez uma lavagem que troca o líquido quente com mecônio por soro fisiológico. A ruptura da bolsa foi alta, porque saía líquido sempre aos poucos”, finaliza.
Muitas horas de trabalho de parto
Quatro dias de trabalho de parto parecem uma eternidade? Foi o que aconteceu com Daniela Lugli Florenzano (SP), 34, mãe de Gael, dez meses, que ficou com contrações sem ritmo, mas com pouco intervalos de no máximo 10 minutos, por dois dias. “Começaram leves na sexta, ficaram fortes sábado e assim foi até segunda à noite, quando de fato ritmou. A partir daí foram mais sete horas e meia de trabalho de parto ativo, sendo duas horas de expulsivo. Não parou em nenhum momento durante os 4 dias, e o maior espaçamento que houve foi de 10 minutos, não mais que isso. Fui até a casa de parto no sábado e lá estava com um centímetro apenas. Elas me liberaram, voltei para casa e fiquei mais dois dias da mesma maneira. Quando voltei na segunda à noite, aí sim já estava com quatro centímetros e internei”, relata.
O trabalho de parto pode ser longo, como o de Daniela, e pode ser curto, com apenas quatro horas, e pode seguir o padrão - o trabalho de parto propriamente dito para primíparas (grávidas do primeiro filho) pode durar cerca de oito a 12 horas. Erica explica que existem exceções nos dois extremos, ou seja, partos que duram de uma hora a alguns dias. Por isso, não vale a pena se apegar a ideia de que você vai levar dias para parir e que será uma dor insuportável marcada por gritos – e que, por isso, a cesárea eletiva é a melhor escolha. Não é. “Contando com o período de pródromos (uma etapa que antecede o trabalho de parto e pode envolver contrações dolorosas) e fase latente, às vezes o parto pode ser extremamente cansativo”.
Qual a recomendação para lidar com um trabalho de parto extenso? Descansar, dormir no intervalo das contrações tanto quanto conseguir. “Lembrando que a dor só vem durante as contrações e duram cerca de um minuto, havendo intervalos de descanso. É fundamental que a gestante saiba o motivo de estar fazendo a escolha do parto normal e se manter focada na ideia de que, apesar da dor e do cansaço, valerá a pena”, finaliza Erica.
Mecônio, o vilão do parto normal?
Quer convencer uma mãe desinformada sobre a necessidade de agendar uma cesárea? Mencione o mecônio. Visto como vilão, o mecônio é a primeira eliminação fecal do bebê. Em alguns casos, isso pode acontecer durante a gestação. Há dois motivos para acontecer a eliminação meconial: maturidade intestinal do bebê ou sofrimento fetal.
Segundo Erica, no primeiro caso, o mecônio não deve necessariamente ser encarado como um problema, desde que a quantidade de líquido esteja adequada (para que dilua o mecônio e este não se torne espesso) e os batimentos cardíacos do bebê estejam dentro dos padrões de normalidade. “Inclusive, na maioria dos casos, nem a gestante nem a equipe médica ficará sabendo da presença do mecônio no líquido amniótico, a não ser que a bolsa estoure. Se a causa do mecônio for sofrimento fetal, isso será atestado através da alteração da frequência cardíaca fetal, e a cesariana pode ser indicada”.
Miriam Andretta Melo (SP), 37, mãe de seis meses, pariu de 40 semanas e seis dias e no caso dela a presença de mecônio no parto estava relacionada a maturidade gestacional. Ela percebeu o mecônio assim que a bolsa estourou e avisou a equipe médica. Como o bebê estava mexendo, a equipe chegou em sua casa (pois ela optou por um parto humanizado hospitalar) duas horas depois para monitorar o bebê.
“Tinha bastante mecônio. E continuou saindo durante todo o trabalho de parto. O bebê foi monitorado durante todo o parto e não entrou em sofrimento em tempo algum. Os cardiotocos feitos durante o TP estavam excelentes. Fomos para cesárea, pois parou de evoluir. O bebê não descia. Foram seis horas com oito centímetros, acreditou-se em desproporção. Mas durante a cesárea a medica verificou que não estava evoluindo mais por conta da cicatrização das cesáreas anteriores - a contração não estava sendo efetiva na parte abaixo da cicatriz”, relata Miriam.
Cesárea não é parto
Informar-se é importante durante a gestação, mas a informação (ainda) sobre parir ainda não é difundida popularmente, apesar de projetos públicos e privados para que o parto seja encarado de modo mais natural. A indústria de nascimento e a mecanização do parto seguem como campeões sob uma prerrogativa de menor dor, mais agilidade e modernidade – não é à toa que Brasil é campeão em cesáreas agendadas.
É importante ter em mente, porém, que cesárea não é parto, o que não garante à parturiente um carimbo de mãe melhor ou pior. O que há, de fato, são duas vias de nascimento: cesárea e vaginal (ou parto normal). Segundo Erica, a ideia de parto pressupõe a participação ativa da mulher, algo impossível de se realizar durante uma cirurgia. "Por isso, algumas pessoas se opõe ao termo 'parto cesariana', embora eu pense que essa é uma briga que não vale a pena comprar”, finaliza.
Confie no seu corpo
A máxima bebês sabem nascer e mulheres sabem parir pode ser, portanto, revogada. Os tabus em torno do parto, desmistificados, demonstram que a cesárea é uma cirurgia que salva vidas quando bem indicada. Medo da dor do parto é uma razão científica para não parir via vaginal? Não. Mas é possível no Brasil, já que a parturiente pode optar por realizar uma cesárea eletiva a partir da 39ª semana, o que garante a ela domínio sobre seu corpo – é essencial que a parturiente esteja consciente sobre os desdobramentos de uma cesárea eletiva e as potenciais consequências das intervenções que decorrem da cesárea. Há indicações reais e fictícias, que privilegiam o díade mãe-bebê e a equipe médica, por exemplo, como lista a obstetra Melânia Amorim em seu blog. Quando orientado por uma equipe médica consciente e bem informada que prioriza a saúde e o bem-estar da parturiente e do bebê, o parto pode assumir diversos caminhos. Do que a mulher precisa se munir? Paciência, entrega ao desconhecido, confiança em seu corpo e na equipe médica – e informação, claro. O objetivo, afinal, é poder segurar pela primeira vez seu filho (e dali até quando for possível, acreditem), já um velho conhecido.
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