Mais de 80% dos bebês, ao nascerem, vão apresentar icterícia neonatal, ou seja, tom amarelado na pele e também na área conjuntiva (branco dos olhos). Patologia, portanto, comum em recém-nascidos, se detectada e controlada, não oferece riscos para o bebê. Mas, por que ela acontece? São diversos fatores. O mais comum é a capacidade limitada do bebê em sintetizar no fígado o excesso de produção da bilirrubina. O desenvolvimento do bebê é evolutivo. Ao nascer, o bebê ainda não possui uma capacidade de gástrica completa, de modo que aos poucos, com a amamentação, o sistema gástrico começa a funcionar. O primeiro sinal de maturidade e funcionamento adequado é a expulsão do mecônio. O pigmento bilirrubina é produzido naturalmente pelo organismo com o rompimento das células vermelhas do sangue. Quando as células morrem, a hemoglobina se transforma em bilirrubina e é transportada para o fígado, onde é metabolizada e em seguida excretada pelas fezes. Quando esse processo não ocorre adequadamente, o acúmulo de bilirrubina no sangue deixa a pele amarelada.
De acordo com a neonatologista Graziela Del Bem (SP), outro caso mais raro de icterícia é causado devido à incompatibilidade de sangue entre mães e filhos, como por exemplo, Rh- e RH+, respectivamente. “Com a incapacidade de apurar o pigmento, a substância pode seguir para a corrente sanguínea e chegar ao sistema nervoso central”, explica. Ela recomenda saber o tipo sanguíneo da mãe e do parceiro antes de engravidar, colaborando para a prevenção da doença.
Compreender o histórico neonatal é essencial
O excesso de produção de bilirrubina também pode acontecer se o bebê nascer com hemoglobina demais, se sofrer algum trauma que gere a formação de hematomas pelo corpo ou se houver a demora na ligadura do cordão umbilical. No artigo de revisão Tratamento da Icterícia Neonatal, sugere-se que para se diagnosticar a icterícia, deve-se investigar a história neonatal. “Diversos fatores devem ser considerados antes que a terapêutica seja instituída em recém-nascidos ictéricos. Em primeiro lugar é importante que a história obstétrica materna e parto sejam analisados a fim de identificarmos os fatores que possam estar contribuindo para a hiperbilirrubinemia, tais como drogas maternas, tipo de parto (fórceps, pélvico, cesáreo), retardo no campleamento do cordão umbilical, grupo sanguíneo, fator Rh e Coombs materno”.
De acordo com o pediatra Carlos González, em seu livro Un Regalo para Toda la Vida, “Se após alguns dias não houver melhora e o bebê estiver muito amarelo, é preciso fazer um exame para verificar o nível de bilirrubina. Se estiver alto (entre 20 e 25), é preciso fazer fototerapia; se não, repetir o exame em dois ou três dias para verificar se está baixando. Se estiver baixando, esperar melhora sem tratamento. Se a bilirrubina estiver acima de 20, é preciso fazer fototerapia (banho de sol não adianta nada); acima de 25, fazer exsanguineotransfusão. Se persistir, pode ser uma doença chamada Síndrome de Gilbert”.
Segundo Graziela, a icterícia começa a se manifestar a partir do segundo dia após o nascimento e pode durar cerca de dez dias, ficando mais amarelada no quinto ou sexto e desaparecendo espontaneamente, geralmente começando por pés, pernas, barriga, tórax e, por último, pelo rosto. “Em um primeiro diagnóstico, o médico aperta suavemente o dedo indicador na cabeça e no corpo do bebê para verificar se a área fica amarelada ou se a cor da pele permanece igual. Posteriormente, é realizado o exame de sangue para detectar o nível de bilirrubina presente. De acordo com a neonatologista, é essencial determinar o grau da doença e manter acompanhamento médico após a alta, para que não aumente”.
Tratamento para a icterícia: fototerapia e amamentação
Nos casos em que a icterícia não desaparece sozinha, o médico pode indicar a fototerapia, também conhecida como banho de luz. A técnica consiste em colocar o bebê em um aparelho em contato com várias lâmpadas para ajudar a diluir a pigmentação, que será excretada por meio das fezes. “Garantir ao bebê uma boa mamada, com uma melhor sucção do leite, também traz grandes benefícios na eliminação da doença”, lembra a especialista. Segundo Gonzáles, é normal o bebê amamentado ter icterícia. “Pode ficar amarelado por até 3 meses, sem necessidade de tratamento, pois se trata de um fenômeno fisiológico, que afeta até 60% dos bebês. “A icterícia acontece não por causa do leite materno, mas por falta dele. Recém-nascidos que mamam pouco fazem menos coco e, por isso, demoram mais a expelir a bilirrubina, que é o que produz o amarelão”. O artigo de revisão reforça: “Geralmente, mães submetidas a cesárea são mantidas afastadas de seus recém-nascidos, e a sucção do seio é infrequente nos primeiros dias após o parto”.
Quer ajudar seu filho a passar pela icterícia, patologia normal em bebês? Amamente-o, em livre demanda, sem horários preestabelecidos. Isso porque principalmente nos primeiros dias de vida, o leite materno é o colostro, rico em proteínas. Até o quinto dia de vida, em média, acontece a apojadura, a descida do leite, que se torna mais encorpado – o leite materno seguirá em transformação até o 20º dia, em média, quando se torna o leite materno composto por leite anterior e posterior, que estará em constante mudança nutricional, de acordo com as necessidades do bebê.
Mães e pais, questionem os protocolos
Se mais de 80% dos bebês terão icterícia e se a patologia envolve outros fatores, como amamentação, campleamento tardio e até mesmo a via de nascimento, é essencial o diálogo entre os pais e os profissionais de saúde. Compreender os reais acompanhamentos e processos para se tratar a icterícia ajuda os pais a simplesmente não seguirem ordens médicas que pode, sim, principalmente na estrutura lucrativa do sistema de saúde, por puro protocolo institucional.
As recomendações para os profissionais de saúde de acordo com a American Academy of Pediatrics (AAP) são:
1. Promover e apoiar o sucesso da amamentação;
2. Estabelecer protocolos para a identificação e avaliação da icterícia;
3. Medir o nível total de bilirrubina sérica ou bilirrubina transcutânea em lactentes icterizados nas primeiras 24 horas;
4. Reconhecer que o diagnóstico visual do grau de icterícia pode levar a erros, particularmente em bebês com mais pigmentação;
5. Interpretar todos os níveis de bilirrubina de acordo com a idade da criança em horas;
6. Reconhecer que os bebês com menos de 38 semanas de gestação, particularmente aqueles que são amamentados, correm maior risco de desenvolver icterícia e necessitam de vigilância e monitoramento mais cuidadosos (atenção para a relação entre muitas cesáreas induzidas por obstetras e o alto nível de bebês separados de suas mães por causa da icterícia);
7. Realizar uma avaliação sistemática em todos os lactentes antes da alta para o risco de hiperbilirrubinemia grave;
8. Fornecer aos pais informações escritas e verbais sobre a icterícia do recém-nascido;
9. Fornecer um acompanhamento adequado com base no tempo de alta e avaliação de risco;
10. Tratar os recém-nascidos, quando indicado, com fototerapia ou transfusão de troca.
Relatos de quem já passou pela icterícia neonatal
“Meu bebê teve. Fez o exame duas vezes, desnecessário ao meu ver, e não precisou ficar internado. Mas acho que faltou (muito) tato para explicar isso a uma recém mãe, no puerpério há sete e 14 dias de seu bebê. Eu já tinha ouvido falar em icterícia, sabia que era até comum. Aí, com sete dias de vida, nos ‘enfiaram goela abaixo’ uma consulta no hospital onde ele nasceu. A pediatra pediu o exame de bilirrubina e disse: vamos ver o resultado para ver se ele vai precisar ficar internado. Caí em prantos. Ele tinha sete dias, eu quase surtei com essa possibilidade. Ela poderia ter pedido o exame e mandado voltar, simplesmente. E eu descobri, sozinha, que muito líquido (LM, no caso) teria ajudado bastante. Voltei lá com 14 dias, e ela fez o mesmo. Voltamos porque ficamos preocupados, pais de primeira viagem, não sabíamos o que fazer- não tinha sol naquelas semanas. Na verdade, foi isso o que houve e me deixou maluca na época, e muito brava depois que passou o susto. Ah, claro, faltou mencionar a indicação de LA, sem averiguar pega nem nada”.
Karen Patricia Faria Batista (SP), 33, mãe de Enrico, 11 meses.
“A Manuela nasceu prematura de 35 semanas, e também era PIG (pequeno para idade gestacional). Nasceu com apgar 4, praticamente sem respirar, e quando correram para aspirar ela soltou um choro fortíssimo. Ficamos uma semana e nada de alta. Até que uma médica passou e ficou olhando e disse ‘está um pouco amarelinha’ - e não fez nada. No dia seguinte, passou outra médica e disse que ela estava com a billerrubina alta. No fim desse dia, na troca de plantão vieram buscar ela para ir pra UTI neonatal porque ela estava correndo riscos. Ela foi direto para intensiva, e me disseram que ela não poderia sair do billeberço, nem para mamar. Foi horrível para mim! Dois dias depois eles mudaram ela de UTI, ainda intensiva, mas um pouco mais tranquila. Eu visitava ela das 6h às 23h. Pensava que iria perder a minha filha e não queria abandoná-la. Após quatro dias, ela finalmente fez um exame e viu que tinha baixado bastante. Felicidade me descrevia! Porém, teria que esperar para ver se não daria rebote. Recebemos alta, mas ela ainda ficou amarela por um mês. Eu levava para o sol e tentava amamentar o tempo todo para ajudar. Depois de passar por um susto no pediatra, ela pré-entrar com complemento porque não havia crescido e nem engordado. Foi aí que a icterícia foi embora totalmente. Ela engordou e cresceu, mas por dar mamadeira e eu não estar preparada, acabou acontecendo o desmame precoce”.
Tamires Almeida (SP), 22, mãe de Manuela, 11 meses.
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