Com origem no latim, a palavra tandem é utilizada para designar uma bicicleta usada por duas pessoas simultaneamente, que pedalam rumo a um destino comum de forma rápida (ecológica e barata). O que isso tem a ver com amamentação? Tudo. A amamentação é essencial em termos nutricionais para o bebê. Nenhum outro alimento dá os mesmos nutrientes que o leite materno fornece, ainda que em níveis distintos (o leite materno nunca vira água e, dos 12 aos 23 meses de idade do bebê, fornece 29% das necessidades energéticas, 43% das proteínas, 36% de cálcio, 75% de vitamina A, 76% de ácido fólico, 94% de vitamina B12 e 60% de vitamina C.). O leite materno é ecológico, produzido especificamente para cada criança, com alteração a cada período de desenvolvimento da criança e, claro, é barato. Amamentar dispensa diversos acessórios de limpeza, esterilizações, busca pela fórmula artificial – que deve ser recomendada somente para aqueles bebês cujas mães não podem amamentar. Por isso, quando uma mãe opta por amamentar seus dois filhos de idades diferentes, o mais velho e o mais novo, chama-se amamentação em tandem.
Se amamentar um filho é difícil sob alguns pontos de vista, amamentar dois é mais ainda. Isso porque a fragilizada (e em construção) cultura de amamentação brasileira costuma minar a mulher ainda na gestação: de forma sutil, burlando uma série de leis, a indústria do leite artificial já vende para a mulher a necessidade de oferecer algum tipo de complemento para a criança para que ela não passe fome. E indústria dos bicos artificiais (mamadeira, chupeta e bico de silicone) se vale de um estereótipo de manter o seio, hiperssexualizado, em estado perfeito no pós-parto, desqualificando-o como nutriz de um bebê e exaltando a padronização estética de subserviência ao desejo masculino. Ao amamentar dois filhos, os comentários e os julgamentos sobre essa escolha podem dobrar (ou triplicar). À mãe, cabe estar bem informada e decidida sobre seu objetivo em amamentar seus dois filhos, assim como sua rede de apoio e seu entorno familiar. Atenção, pai e familiares: vocês já tiveram tempo para entender sobre amamentação, ler, pesquisar, compreender pega, livre demanda, cansaço, sobrecarga, entre outros temas que surgem na amamentação. Agora é hora de colocar em prática esse conhecimento.
O mais velho costuma desmamar durante a nova gestação (e depois volta com tudo)
Partindo do princípio: a ideia de amamentação em tandem se inicia na lactogestação. A mulher que engravidou novamente pode optar por seguir com a amamentação durante a gravidez sem demérito para sua saúde, para o desenvolvimento do novo bebê e até mesmo para a permanência do leite materno para ele. É importante ter em mente que 62% das crianças se desmamam durante a gravidez de sua mãe (mais de um terço entre o terceiro e o quarto mês de gestação, coincidindo com a queda na produção, e o restante até o final do segundo trimestre). É comum também que essa criança volte a mamar junto com seu irmão, recém-nascido. Não, o mais velho não vai roubar o leite do irmão.
Na verdade, a produção do leite materno reduz durante a gestação e depois se ajusta com o nascimento do caçula. O filho mais velho pode mamar tanto quanto o caçula ou mais, solicitando cada vez que seu irmão for mamar. Isso não é um problema para os recém-nascidos que geralmente ganham peso rapidamente. A amamentação em tandem faz com que a perda de peso do recém-nascido seja menor e recuperação deste mais rápida. Também é comum no irmão mais novo não serem percebidos os picos de crescimento, pois sempre ter leite de sobra. Amamentação em tandem garante um bom fornecimento de leite por haver mais estímulo. A apojadura do leite é a mesma, mas com a vantagem que você tem uma criança mais velha para ajudar a aliviar seus seios.
Tandem contribui para respeitar as necessidades do mais velho
Entre os fatores que levam as mães a amamentarem dois filhos de idades diferentes ao mesmo tempo, diversos estudos destacam a escolha da mãe em viver essa experiência, o desejo de respeitar as necessidades da criança mais velha e o desejo de promover o vínculo entre irmãos por meio da amamentação. No quesito vínculo, é importante destacar que o vínculo bacteriano e viral também acontece: isso porque a amamentação em tandem não favorece o contágio de doenças entre irmãos, de modo que por ser provável que a mãe compartilhe a mesma imunidade para ambos, o caçula adquire as defesas do irmão para combater vírus e bactérias.
Como é com quem faz o tandem?
“Quando cheguei em casa com a Laura, achei que iria morrer: meu marido precisou retornar para São Paulo para trabalhar e eu fiquei com meus pais por mais um mês. Pedi a eles que mesmo que ouvissem as crianças chorando à noite não se envolvessem. A primeira noite não dormi: a Laura mamava e voltava a dormir, logo em seguida o Davi acordava e assim fomos das 22h às 8h. Tinha um pouco de receio de colocá-los juntos para mamar (não se exatamente o porquê), mas no segundo dia, vendo o desespero de meu filho quando a irmã mamava, optei por ceder. Desde então, toda mamada dela ele mamava também - um em cada seio. Agora, cada um tinha um peito - sempre o mesmo pois a produção foi ajustada logo no segundo dia de acordo com a demanda de cada um! Os comentários pioraram: diziam que eu ia sumir, e virar refém dos meus filhos, que nunca mais ter uma noite de sono, que meu filho - na época com um ano e 10 meses - não podia controlar minha vida e muito menos defasar a nutrição da irmã que tinha acabado de nascer”. Com o tempo, Lilian cansou e, como ela mesma diz, apertou o botão do ‘dane-se’. E eles seguem a amamentação em tandem”.
Lilian Kriger (SP), 25, mãe de Davi, de dois anos e oito meses, e de Laura, 10 meses.
“O discurso foi unânime: "Pedro vai roubar o leite da Catarina!". Catarina mamou assim que nasceu e o pediatra da equipe comentou durante a primeira mamada que era incrível o fluxo de leite logo no nascimento, pois enquanto ela mamava, vazava leite pelos cantinhos da boca. Ela e Pedro mamaram juntos ainda na primeira hora de vida, no quarto do hospital. Pedro foi fundamental para o alívio da apojadura. Seguem mamando juntos e no primeiro mês de vida Catarina engordou quase um quilo e meio. Mais do que o mais velho quando tinha essa idade. Bato sempre nessa tecla: informação. É muito mais fácil respeitarem nossas decisões acerca de tudo relacionado a maternidade se a gente passar informação adiante. Quem é do convívio familiar, precisa saber sobre assuntos do nosso interesse”.
Estella Simielli (SP), 31, mãe de Pedro, de um ano e cinco meses, e de Catarina, dois meses
Dicas para o estabelecimento da amamentação em tandem
1. Prepare o filho mais velho
Conversar com o mais velho sobre o irmão, a divisão do leite e trazê-lo para perto com a ideia de que é dos dois pode tornar a adaptação mais fácil.
2. É inevitável, o leite materno vai mudar
De sabor e em quantidade, durante a gestação e no pós-parto do caçula. A produção diminui durante a gestação, mas de adequa para o novo bebê, que costuma ganhar 21% a mais de peso do que seu irmão ganhou no mesmo período. O caçula que não fica sem colostro, ainda que rapidamente o leite amadureça.
3. Prepare-se para mais mamadas
Tandem vai exigir uma certa organização de mamadas, uma lógica de tempo e a livre demanda, ainda que livre, pode pedir adaptações para o mais velho, principalmente. E deixar você, mãe, mais cansada.
4. Dê preferência para o caçula
Se tiver que priorizar alguma mamada, que seja para o caçula, já que a imunidade do mais velho já está mais estabelecida.
5. Ajuda especializada, sempre!
Volte aos grupos de amamentação, busque uma consultora e busque conversar com mães que passam pela mesma jornada. Divida a carga emocional, o sono, às vezes a perturbação.
6. O mantra descansar sempre que puder é essencial
Descanse, durma, com os dois, sozinha, cama compartilhada, um em cada canto. Durma e descanse. Aqui, a família que treinou (e às vezes relutou) para aprender com o mais velho, precisa colocar em prática com o caçula.
7. Você pode mudar de ideia
Pode. E provavelmente será pela sobrecarga de amamentar duas crianças ao mesmo tempo. Mas a sobrecarga é da amamentação ou do dia a dia que exige da mulher o comprometimento com um estereótipo no qual a mulher seja responsável pelos filhos, pela casa, pelo emprego, pela beleza, pela manutenção da ordem e da boa aparência?
8. Não esqueça de se alimentar bem
Nem de se hidratar. Você não é mais mãe de primeira viagem e sabe que não é preciso comer o dobro. Mas a fome avassaladora do pós-parto virá. Por isso, alimentação equilibrada e calorias extras, porque seu corpo vai precisar de mais energia. E um copo d’água sempre que der. Boa lua de leite!
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