A primeira vez em que ouvi falar sobre o fato de mulheres curtirem pornô gay masculino foi quando assisti ao filme Minhas Mães e Meu Pai no cinema, há seis anos. A personagem de Julienne Moore, Jules, entrou debaixo das cobertas para fazer sexo oral em Nic, interpretada pela Annette Bening, enquanto ela assistia a dois homens se pegando. Fiquei passada (pelo pornô, não pela cena). Quando Jules precisa se explicar ao filho sobre esse hábito do casal – sim, olha que situação chata! – , um dos motivos que ela dá para essa escolha é porque geralmente a pornografia lésbica mostra duas mulheres heterossexuais transando falsamente.
Ok. Entendi o ponto dela, mas não fiz nada com aquela informação. No fim de 2014, o site de vídeos eróticos Pornhub.com divulgou as categorias mais clicadas por cada gênero no portal, e a pornografia gay masculina foi 103% mais vista por mulheres do que por homens – o público-alvo, gente! O pornô lésbico ficou em primeiro lugar nas buscas do público feminino e era 132% mais procurado por elas, em comparação com o masculino.
It's a thing. E faz tempo. Mas a coisa só foi pegar para mim recentemente, quando me mandaram um vídeo de um suposto teste gay, em que héteros se seduzem e colocam à prova se são realmente heterossexuais. Cliquei para ver, cheia de julgamentos, já prevendo ser uma brincadeira de mau gosto, cujo tema central seria "ser gay é uó, olha como eu não sou gay". Mas, no vídeo, o cara sucumbe, gosta, e estranhamente eu gostei também. Fiquei passada de novo.
Os tabus contra e a favor
"O susto vem por não ter essa noção de liberdade, de direito, por causa do preconceito e do tabu que existem. É difícil para as pessoas falarem sobre sexualidade, principalmente da sexualidade feminina. As mulheres têm essa plasticidade erótica, várias coisas as satisfazem, e isso é algo que ainda tem muito mistério", opina Priscila Junqueira, psicóloga, mestre em Ciências, especialista em Sexologia e em Coordenação Grupoanalítica.
Pois é. G. A., de 27 anos, sentiu essa trava em falar com as amigas sobre suas insatisfações com as pornografias heterossexual e homossexual, (supostamente) feita para lésbicas. Dez anos atrás, ela descobriu o pornô gay sozinha, "por tentativa e erro", e encontrou um gênero de produção que "parece um pouquinho mais real e não te faz questionar o lado político da coisa, da agressividade e do desrespeito à mulher".
Se por um lado o que aflora nosso senso "político" pode ser broxante na hora de ver pornô, outro viés do sexismo tem seus atrativos no gênero gay. Para F.J., de 28, a relação entre dois homens é uma subversão de valores machistas, e parte da sensualidade disso está na libertação masculina, deles estarem satisfazendo suas vontades.
"A mulher até tem aval, de um jeito machista, para ser gay. Do jeito que o homem quer, gostando de homem, pegando outra com o homem para satisfazer ele. Agora, se um cara vira e fala que pegou outro homem, ele é gay, tem uma repressão e uma limitação maior. E ver os dois se pegando [nos vídeos] te faz pensar: 'oh, eles estão fazendo aquilo que todos os caras gostariam de fazer um dia'", elabora.
De homem para homem
Bom, então nem preciso reforçar quão antiquada é aquela ideia de que mulheres não gostam de pornografia, né? O YouPorn, por exemplo, agora tem a categoria "female friendly". Existem sites e produtoras dedicadas exclusivamente a vídeos voltados pro público feminino. Mas essas iniciativas não fazem nem cócegas na imensidão do material feito para os homens. E esse é um dos pontos de sucesso do pornô gay masculino fora de seu target.
"Pornô para mulher é um assunto bem recente na história da sexualidade, é uma onda que está começando a ser desenhada agora. Quando a gente fala de pornografia, é como produto feito por homens e para homens", explica Paulo Tessarioli, presidente da ABRASEX -- Associação Brasileira dos Profissionais de Saúde, Educação e Terapia Sexual.
Isso justamente contribui para a gente achar tudo fake e tirar a graça da coisa. "O meu lance com pornô é esse: não é real e, por isso, não me interessa muito. Foram raros os momentos que eu assisti e achei legal", opina F. J. A teoria de L. S., 27, é a de que os filmes pornográficos hétero e lésbico são tendenciosos aos fetiches masculinos, colocam a mulher num espaço de sedução pouco verossímil, fazendo coisas que provavelmente não curtiria na vida. "O pornô gay me parece mais compatível com o que seria o sexo gay real, parece que eles estão fazendo algo que vai excitá-los. Se você não é uma pessoa preconceituosa, a questão é a excitação, é ver um sexo real."
O outro lado
M. R., homem e gay de 27, não acha nada disso. Na experiência dele e de seus amigos, a representação não é fiel e também passa pelo machismo de exaltar e priorizar o "macho alfa dominante". "Eles seguem um padrão ultrapassado e quadrado. Os limites de passivo e ativo mudaram muito e esse roteirinho é muito pobre. A maioria dos amigos com quem falo fazem muito menos penetração e exploram mais outros aspectos", esclarece.
Outro ponto é a agressividade e violência presentes também no gênero de vídeos homossexuais masculinos. M. R. diz isso em relação ao passivo, que muitas vezes não está excitado, não tem mais ereção e está ali sofrido. "Aquela cara de morte não é prazer, é dor. Meu, amigo, por exemplo, assiste a pornô vintage, que é mais sutil, bem mais delicado. Eu só assisto a caseiro, de gente que posta vídeos pessoais. A indústria pornô tem uma ideia muito pobre da sexualidade, né?", comenta.
Mistério e intensidade
Mas voltando às fantasias femininas, outra ideia interessante é o exercício de imaginar o que os homens estão sentindo e isso ser excitante. "A sensação do clitóris com clitóris um cara nunca teria como saber como é. E num sexo gay, uma coisa bruta com outra coisa bruta, pau com pau, a gente não tem como saber", propõe L. S. Esse encontro de testosteronas também é um dos atrativos para F. J., para quem esse tipo de representação parece mais intensa, pelo homem culturalmente ter a sexualidade mais desenvolvida e estimulada do que a mulher.
As pacientes da Priscila também buscam os vídeos gays com a intenção de focar no corpo masculino, pouco explorado no pornô heterossexual, em vez de ver a representação da mulher montada para despertar desejo no homem. "Gosto de ver gente excitada. E volume de pau é uma coisa que grita isso", explica L. S. G. A. concorda: "Não consigo me ver fazendo sexo com homem, mas gosto de ver pinto, e aí já não sei explicar por quê".
A sexualidade não é (e talvez vem deva ser) muito explicável, embora esse seja parte do objetivo dessa investigação. Mas a pesquisa de Meredith Chivers, da Universidade Northwest, em Chicago, já mostrou em 2009 que as mulheres têm a capacidade de se excitarem fisicamente ao ver sexo entre seres de qualquer gênero, mesmo se psicologicamente elas não estiverem curtindo a cena.
E está tudo bem. "Quanto mais a gente falar sobre isso, mais as pessoas vão desmistificar o assunto e ver que é algo natural. Sexo é saúde, e direitos sexuais fazem parte dos direitos humanos e devem ser respeitados. Cabe a nós minimizar a interferência da rigidez de cultura e religião nele", propõe Priscila. Um grande beijo.
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